sexta-feira, 22 de junho de 2018

NENHUMA BULHA MESMO!

Olha o Pico do Corcovado, gente! (Arquivo JRS)

           Somente uma vez eu fui no Sertão do Corcovado (onde o Pico do Corcovado domina a visão), acompanhando a vovó Eugênia, na casa de sua prima Izabel Ribeiro e do primo Jehú.  Muitas outras vezes fui sozinho por lá. Aquele dia já está distante, mas a história que escutei na casa da Tia Izabel ainda me vem em detalhes.

          “Eu nunca fui no Morro do Corcovado, onde a mocidade de hoje chamam de pico. Também não tenho coragem. Muita gente, desde os mais antigos, diz ser um lugar mal-assombrado. Cruz credo! Os meus finados contavam uma história assim: naquele morro mora a alma de um preto desde o tempo da escravidão. Lá, após ser chicoteado pelo fazendeiro ruim, ele se refugiou. Só se sabia que ainda estava vivo porque, de vez em quando, ele descia para comprar alguma coisa que lhe faltava. Não trazia dinheiro, pagava com ouro que trazia dentro de um gomo de taquaruçu, despertando a cobiça de muita gente. Queriam saber de onde o preto tirava ouro. Muitos tentaram seguir o preto, mas nunca ninguém conseguiu. Ele desaparecia no mato. Muita gente ainda jura até hoje que, em noite de luar, quando se avista toda a grimpa do morro, num ponto do paredão está uma figura escura cantando entre assobios de flauta. Cruz credo!”.  E as duas se benziam constantemente, como se assim ficassem livres de algo ruim só de relembrar a lenda. Mas... ninguém consegue se segurar diante de narrativas assim, né?!? É fantástico se arrepiar com tais histórias! E a vovó, mesmo sabendo de cor e salteado, queria que eu escutasse a Tia Izabel.

        “Até o fazendeiro ruim, que tanto maltratou o preto, se aventurou com alguns escravos naquele morro em busca da riqueza do preto, do tão cobiçado ouro. De lá nunca mais voltou. Do tanto de escravos que seguiram com ele na empreitada, somente um voltou assombrado. Depois de alguns dias conseguiu soltar a fala. Disse que, quando já estavam quase em cima, no Morro do Corcovado, um passarinho muito diferente chamou a atenção deles pela picada, onde o mato que havia era só pés de candeia cheirosa. Lá, depois do lugar conhecido como Sombreado, numa casa que parecia brilhar, estava o preto sentado num banco no terreiro. Em volta dele, convivendo como se fosse uma só família, se encontrava toda sorte de bichos e de aves. A visão fez com que todos perdessem a fala. Era milagre. 'Só gente de coração bom vive desse modo, numa paz nunca vista. Creio que nunca hei de ver nada parecido nesta vida. Do mesmo modo que chegamos fomos saindo. Nisso uma manada de cateto apareceu mostrando os dentes e rosnando com muita raiva. No desespero todo mundo se desembalou morro abaixo; foram se despencando nas grotas. Acho que morreram todos a julgar pelos urubus voando nos dias seguintes por ali, desde o Costão até o pé do Corcovado. Nem sei como escapei com vida. Eu acredito que é milagre divino para, assim, a notícia ser dada para todo mundo' ”. Pensei comigo: “É, deve ser  mesmo".                                                                                                                   
          O meu compadre Sérgio, visitador regular do Pico do Corcovado, jura que, de fato, em noites claras, se escuta mesmo um assobio fininho e uma melodia que é agradável, mas que não se entende as palavras. “Nessas ocasiões, compadre, nenhum barulho se escuta no mato. Nenhuma bulha mesmo! Parece que tudo se cala para poder escutar a toada, a música que parece escapulir da greta da pedra.  A gente fica encantada. Precisa ver!”.

         Na próxima vez que você apreciar a visão da serra, tente se lembrar dessa história que é do Morro do Corcovado.
                                                                                                                                                   
           

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