sábado, 23 de maio de 2015

PESCARIA TRADICIONAL DE GAROUPA

Rancho dos Pescadores do Itaguá (Arquivo Chiéus)

Ao ler a matéria do Peter, no seu blog (canoadepau.blogspot.com), me recordei de tantos pescadores antigos deixando a isca estragar, feder mesmo, para depois se dirigir à costeira e trazer bonitas garoupas. Eu diria que é um peixe carniceiro. O finado Jorge Barreto, sempre exagerava nos seus causos, mas...talvez a maioria fosse pura verdade. Numa tarde boa para pescar garoupa, olhando em direção da Laje de Fora, assim nos contou: "Numa ocasião o finado Tio Rita queria ir pescar garoupa, mas não tinha nenhuma isca preparada para isso. Ficou desanimado, mas só por pouco tempo. É que ele se lembrou de uma ninhada de gato que tinha enterrado naquela semana. Pegou uma enxada, colocou aquela porcaria de isca no balaio e lá se foi. Não é que o danado logo trouxe três ou quatro garoupas das grandes!?!" 

PESCARIA TRADICIONAL DE GAROUPA, entrevista com Antenor e James.

Reproduzo aqui um trecho com menos de 5 
minutos de uma conversa de uma hora. Quantos segredos, técnicas, habilidades, sabedoria estão contidos nesses 5 minutos... Imagine durante uma vida inteira de apenas um desses Mestres, que dirá de toda uma comunidade, de gerações... Estamos realmente a queimar bibliotecas em nome da modernidade e do preservacionismo ambiental. Preservacionismo esse que hoje reserva áreas naturais e seus recursos para o desfrute da indústria do turismo, e, no futuro, para uso e exploração das grandes corporações. Porque quando o motivo é alegar o desenvolvimento econômico de um país, o PIB ("gerar empregos"), tudo vale (vide a ampliação do porto de São Sebastião, Belo Monte, etc), e quando não existirem mais comunidades tradicionais que vivam nessas, ou dessas, áreas naturais, ficará muito mais fácil justificar o uso dos recursos para o "bem do país" e seu crescimento econômico.
Foto: Peter Nemeth, Antenor e James, dois Mestres caiçaras.
Esta conversa foi gravada com os Mestres Antenor e James, filhos do Zé Gil, um famoso pescador da Praia da Enseada.

Os pesqueiro Alemão, nós escolhia antes, por causa de... quando pegava um peixe bom... então cê marcava ali... então tem toquero grande sabe, lugar grande esses toquero... que nem esse Carén Carén aí memo, o Carén Carén ele é um... é quase um cascalho, quase que um parcelzão lá fora, mas tem buraco que o peixe carregava... é só garoupão memo sabe, em baixo do costão, é... meu pai quantas vez quase virava nóis lá (para embarcar a garoupa na canoazinha).
Então assim, você mata um peixe que está naquela toca, outro vem e entra naquele lugar, começa a morar ali também?
Ah é... Eu levei o Ferrão pra pesca lá viu, o Carlos, na... na Boca da Arraia, ali no coisa, ele afundou veio loco: Nossa Senhora! Nunca vi tanto peixe! Que lugar fundo, mas como tem garoupa, só tem garoupa, só garoupão! Ficou tão loco, que nem um pinguim, até que matou uma garoupa e correu de lá por causa da Florestal né... mas lá tem muito. Pesquei co Lagarto uma vez lá, perdemo linha pra caramba lá. Mas é lugá de garoupão. Cê vê como é que é peixe, quase encostado na pedra, a canoa bate na pedra né, o costão... é buraco do costão que vai assim, num é assim, é o final do costão que é lascado. E você vê, ali num tem mar grosso... porque num... o mar num bate, ela sobe e desce com a canoa né, vem aquela onda leva lá no costão mas num vai pra cima né,  arria de novo... eu tinha um medo de pesca cum meu pai ali é... papai chegava pertinho, ele remava pra frente, eu remava pra trás... “Entra, rema seu burro!” (risos) “Tá com medo!”. Naquele tempo não jogava a poita ele pescava como o remo na mão, sabe Alemão, ele governando cum a mão ele enfiava lá na craca memo... ah, quando ajuntava aquele peixe Alemão... nóis ia andava por cima da pedra... puta que pariu... me fodia cum ele viu...
E garoupa de quantos quilos que puxava mais ou menos?
Ah, a maior que matô aí foi... de linha, foi né né 23 quilo, de linha... de linha, de espinhel matou bastante... mas de 18 de 20 de 11 de 12, é... todo dia trazia. Eu pescava com linha fina que era pra mantê a despesa, sabe, pagá a isca, matava marimba, vermelho, jaguaruçá, garoupinha miúda, e ele na linha grossa, um dia falei: pai, dá uma linha dessa grossa pra mim mata um garoupão desse aí, ele me deu uma linha quase da grossura daquele negócio da bicicleta, mas era linha de algodão Alemão, você fazia assim... tava pesada... jogava pra baixo... fazia assim... tava pesada... fiquei só com a ponta da linha na mão (risos) aí passô uma onda, dei uma ferrada... ele juntou a linha e foi colhendo linha da minha mão... dobrou aquilo e bateu na minha cara com a linha, “Cê num sabe pescá cum essa merda, num pesca”... (risos). Porque a linha fina cê sente, agora a pesada... fica aquele peso... corda de algodão cara... eu joguei a linha dentro da toca da pedra, ele ficô puto comigo... “Tá vendo... você num sabe pescá com isso, num pesca”.
Tinha algum tipo de sinal aqui assim de tipo de temperatura da água, ou alguma maré, que vocês já falavam: Hoje está bom pra garoupa?  
Água quente, água quente, molhava a mão, água quente tava bão, água fria num prestava... água clara né, água clara num presta... água clara ou água fria num presta... (James: Água fria num presta também, peixe entoca num sai.) ela só pega em toca de pedra, só dentro do buraco né.
Então é mais no verão né, a pescaria de garoupa?
Não... no inverno também dá água mais quente... É coisa que eu pesquei sempre com meu pai e nunca procuremo é...lua, nem... vivemo na pescaria a vida toda Alemão, todo dia... quatro hora da manhã, três hora ele saia do Portinho toda hora remano e ia embora... nós num tinha nada de lua, num tinha nada, só o que nós olhava era o Tempo.
Maré tinha, maré boa pra pescar?
Ah é a parte da manhã, Maré Testada né, maré... a parte da manhã que o peixe come e a parte da tarde... maré cheia é...
Eu pescava cum meu pai numa canoinha, tamanho da... daquela branca, aquela do Lagarto de lá rapaz, a onda batia molhava nóis, sabe assim, a gente rodava aquelas Palma de madrugada né rapaz... aquela Ponta de Sul das Palma é fundo pa caramba. Nóis entrava aqui pelo Leste e saía pelo Sul todo dia... quanta tromenta peguemo, ficamo lá pra cima da Praia de Leste, pra Praia do Sul... que num dava pra passá. E que num tinha comido num tinha nada, ficava assim na seca memo, fudido Alemão.
E comer, vocês não levavam comida, nada?
Ó Alemão, antigamente uma garrafa de café fria, uma garrafa de café fria... num num tinha garrafa né (térmica), garrafa coisa memo com rolha de coisa... e tinha veiz que levava resto de comida, farofa uma coisa assim pra comê né.
Comia na canoa mesmo ou parava?
Comia na canoa memo... que parava nada... meu pai era um homi Alemão que quando tava pescano, ele fumava no cachimbo... sabe o que ele fazia pa num botá fogo no cachimbo... ele cortava um pedaço de fumo com a unha e mastigava cara... pa num perdê tempo de acendê cachimbada...  tava comeno arguma coisa, gole de café num tinha caneca né, bebe na boca assim que nem...
E isca, que isca que vocês levavam?

Isca era bonito, bonito, sardinha, peixe que tinha (James: panaguaiú, sardinha.) peixe podre que tivesse... O melhor é o bonito, mas tem que tá meio passado, toda a pescaria assim de garoupa é isca passada... antigamente não tinha gelo, meu pai enterrava né, enterrava na areia, e no outro dia de manhã cavucava pra pesca... quando vinha de lá já tava meio podre ele jogava um bocado de sal pra num perdê né, punha sal e deixava... fidido pa caramba... 

Um comentário:

  1. dizer que desenterrou gatos apodrecidos para pescar garoupa e´´a maior mentira que ja ouvi

    ResponderExcluir