domingo, 17 de maio de 2015

ENTRE FLORES...A MINHA AMIGA.

               
Amanhecer no canto de tantas prosas, no Perequê-mirim (Arquivo JRS)

               Lá longe, no mar de tons do verde que recobre o penhasco geológico da borda que nos separa dos caipiras, do “povo da Serra Acima”, desponta o roxo das quaresmeiras e o branco rosado das tinticuias, agora mais popularmente chamadas de manacás da serra. Era onde caçavam os povos dos sambaquis, o povo tupinambá e os caiçaras que perpetuaram tal hábito.
               Nessa mata, além das caças, meus pais coletavam frutos, palmitos, cipós, taquaras etc. Hoje, em quase tudo dos espaços onde antes estavam os roçados caiçaras, a mata se regenera, forma capoeira viçosa, tona-se repleta de variedades. Porém, em diversos pontos da encosta, as casas – de ricos e de pobres! -  vão invadindo e danificando a nossa herança ambiental de inimagináveis maneiras. “A destruição é tão criativa quanto a edificação”.
               Na verdade, vai embora a boa qualidade ambiental e segue junto boa dose da cultura que tanto tem a dever a tais condições naturais. É preciso fazer algo. É urgente! “Não sei... Mas desconfio que um passado como o nosso não se joga fora como a água da bacia depois do banho”. Assim disse a saudosa Nilséa, mais uma das queridas caiçaras que acabamos de sepultar. Entre flores a minha amiga se foi.    Meus sinceros sentimentos aos filhos dela: Elinéia, Elenilson e Elenice.
               Numa prosa em meados de 1970, eu e Nilséa escutávamos o  Velho Antônio Julião, tio dela. Ele, um mestre canoeiro, mas dedicado a tantas outras funções, ao presenciar tanta gente no Perequê-mirim e na Enseada se desfazendo de suas posses, da herança de seus pais, nos disse enquanto saboreava seu aperitivo preferido, derivado de alcachofra (da marca cynar):
               “Eles estão pensando que mudam em muita coisa querendo copiar essa gente de fora, querendo ser como ‘tubarão’, quando, na verdade, são como nós: simples caiçaras, dependentes da terra e do mar. Depois, sem nada, num terreninho pequeno, essa gente vai fazer o quê?”.
               Ah! A propósito, o nome dele era Antônio da Cruz. Em decorrência disso, ao chegar no balcão para pedir o seu aperitivo preferido, ele tinha uma mímica bem católica: passava a mão no rosto e fazia o sinal da cruz (traçar com o polegar uma cruz na testa, uma nos lábios e outra no peito). Para algum curioso desavisado, que desconhecia aquilo, ele explicava: “É o sinar da cruz”.

           

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