sexta-feira, 20 de junho de 2014

A ANTIGA ILHA DOS PORCOS

      
Ilha Anchieta ao fundo (Arquivo JRS)

        Hoje amanheci pensando em muita gente. Aí me dei conta de que era o dia 20 de junho, data da rebelião no presídio da Ilha Anchieta, da qual eu escutei tantas histórias. Me veio à mente o livro há tanto tempo indicado pelo grande amigo Zezinho Marques, um dos alunos da escola da ilha, cujo pai foi pedreiro naquele tempo. Por motivo de pouco tempo, reapresento este:

          No livro Joatão e a ilha, ninguém imaginava o que vinha pela frente:
         "Despontou a aurora. Manhã nova. A claridade precedeu o surgimento do sol na imensidão do oceano, lá onde o Atlântico some no horizonte: o céu fixou seu tom azulino; o mar mesclou-se de verde"


       “Ainda me alembro como se fosse hoje”. Com essas palavras comecei, numa bela manhã de domingo, escutando o velho Pedro Cabral, na praia do Perequê-mirim. O tema era a Ilha Anchieta, um espaço tão corriqueiro dos pescadores caiçaras naquele tempo (início dos anos 70). O dia era 20 de junho. Exatamente o dia em que estourou a rebelião no presídio da ilha, no ano de 1952. 
       Naquele dia, da boca do citado praiano e de outros que formaram a roda no jundu, eu escutava mais do que anotava. O interesse não era só porque eu gostava de escutar os causos do meu povo, mas também porque a professora Valda nos deu a tarefa de pesquisar sobre a história do fato – o levante da ilha Anchieta. Disse que pretendia recolher o maior número possível de depoimentos, e, naquela praia, estavam vários ex-soldados e ex-funcionários que fizeram parte da história do presídio. Assim, um por um, nós montamos uma “colcha de retalhos”, um lindo painel que ficou bastante tempo na parede da nossa pequena escola para que todos lessem. Lá constavam os nomes de honrados homens: Chico Cruz, Rodolfo Cabral, Dito Góis, Xavier, Faria Lima, Newton Cirillo e tantos outros.
         A data da grande fuga: 20 de junho de 1952. No Instituto Correcional da Ilha Anchieta, cumpriam penas 453 presidiários. De 129 evadidos, 108 foram recapturados, 15 mortos e 6 desaparecidos. Policiais mortos: 8; funcionários civis: 2; presidiários: 3 (na ilha). Total de mortos: 28; órfãos: 23; viúvas: 9. Tais números estão documentados.
         Assim como um ritual a cada ano, no dia 20 penso na data. A cidade certamente esqueceu. Porém, ainda há tempo de fazer, como nos idos da minha escola primária, uma bela “colcha” com os retalhos de nossa história. Cada cidadão deste município tem o direito de manter viva memória, porque, como disse alguém, sem isso "ninguém propõe nada; só copia".                       
          Também os que adotaram a cidade como a sua terra precisam refletir sobre uma identidade a ser resgatada, refeita, mantida e valorizada. Já passa da hora, independente da região de onde veio, de cada morador de Ubatuba refazer, participar da identidade local tal como fizeram os europeus, africanos e ameríndios: deixaram muito de si para se fundirem no ser brasileiro. É, mais ou menos, o que, no estudo da Filosofia, chamamos de dialética. 

          Joatão e a ilha , publicado em 1966, é uma obra maravilhosa para ser lida por todos. Seu autor, José Fonseca Fernandes, narra em forma de romance o grande levante. Por enquanto não vou escrever mais. Só deixo mais uma “isca”:

         “Quando Joatão e seus dois companheiros atingiram o Quiririm os demais já guardavam distância, ávidos de sumir do litoral.   –Água boa esta –disse com satisfação o moço,  -  Não suportava mais a sede. Os outros dois já estavam de cara mergulhada no Quiririm.  Joatão deitou-se na Praia do Puruba”.

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