sexta-feira, 12 de abril de 2013

O RIO QUE ESTÁ MAIS ESCURO (II)

O quintal da minha tia Estelita agora nem tem mais criação! (Arquivo JRS)


        Dando continuidade ao texto da jornalista Priscila Siqueira,  a respeito da dona Luzia e de seu esposo João na luta pela posse da terra, o meu desejo é que muitos se recordem desta questão dos caiçaras do Rio Escuro que se estendeu por tantos anos e mobilizou tantas pessoas de várias entidades. Que puxem pela memória para avistar os bananais e as roças que se estendiam pelos campos do Rio Escuro. Na casa da minha tia Estelita, por exemplo, lá no Sertão das Cotias, continuidade do Rio Escuro, tinha de tudo um pouco. Na verdade, naquele tempo imperava a agricultura familiar por todo o município de Ubatuba. Hoje, por todos esses lugares predomina as casas dos pobres, geralmente trabalhadores da construção civil e funcionários dos condomínios milionários nas praias mais próximas. São, na verdade, bairros-dormitórios com muitos problemas. Não sei se os meus vizinhos João e Luzia, os que resistiram até o derradeiro momento, ainda têm alguma esperança a respeito de suas terras, de voltarem ao  lugar de suas origens. Por enquanto eles, que tinham tanto espaço cultivado, vivem espremidos no bairro do Ipiranguinha.

Pela decisão judicial obtida em São Paulo, a família dos posseiros tem de abandonar imediatamente a terra que ocupa há mais de meio século, deixando todos os seus bens  imóveis, suas benfeitorias, plantações, levando “apenas seus móveis, suas roupas e suas dívidas para com o Banco do Brasil, na ordem de sete milhões de cruzeiros”, como atenta José Bernardes de Almeida Gil, presidente do Movimento Ecológico Pela Vida, Pela Paz, em Defesa de Ubatuba. Desde a metade da década de 70, os posseiros do Rio Escuro passaram do cultivo e extração de banana, para a produção de hortifrutigranjeiros e já estão pleiteando, junto ao Banco do Brasil, empréstimos com esta finalidade. As terras de João e Luzia, assim como de muitos posseiros do Rio Escuro, estão hipotecados ao Banco como garantia do dinheiro emprestado. O próprio Banco do Brasil reconhece, com isto, que os posseiros têm direito à terra. É Almeida Gil mesmo quem afirma - “O incrível, neste caso, é que, para dar o veredito a favor da companhia imobiliária, os desembargadores do Tribunal de Justiça se valeram de um artigo de 1916 do Código Civil -  (artigo 505) - em detrimento de leis mais atuais como a legislação do uso do solo, lei de retenção de posse, lei do Incra etc...”.
Os posseiros não se deram por vencidos e entraram com uma ação rescisória - isto é, uma ação que pode reformar uma decisão já tomada - junto ao Tribunal de Justiça, a qual os desembargadores Alves Barbosa e o revisor Gonçalves Santana julgaram improcedente. Isto no dia 1º de dezembro de 1983.
Frente à ameaça eminente de expulsão de suas terras, várias atitudes foram tomadas, como o manifesto público da APRU (Associação dos Produtores Rurais de Ubatuba) que denunciava ser este “um dos muitos casos de posse de terra em Ubatuba em que as grandes companhias, movidas por interesses financeiros provocam problemas sociais, ignorando a importância que a agricultura representa para o município,para o Estado e para o País”.
Conforme José Bernardes de Almeida Gil, “com a atual decisão da Justiça teremos mais uma vez, a aplicação injusta de uma lei arcaica e antissocial, na repetição do que vem ocorrendo há décadas em nosso litoral: a expulsão dos caiçaras de suas terras e seu confinamento em favelas, impedindo que ele continue nas atividades que garantiam o sustento da família e de toda a comunidade. É a entrega de suas terras às companhias imobiliárias, para que sejam vendidas aos turistas que aí constroem casas de veraneio. Estas casa permanecem fechadas a maior parte do ano”.
Frente a esta dura realidade, Sétero Borges, filho de Luzia e, ele mesmo, também pai de família, exclama angustiado, “Quem poderá nos ajudar?...”  

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