quarta-feira, 24 de abril de 2013

É TEMPO DE RELEMBRAR

Qual menino  daquele tempo não tinha um bodoque?  (Arquivo  O.Mendonça)


              Danielle Lucas: seja bem- vinda!
             Olhando algumas imagens antigas, vejo crianças “reinando” pelo terreiro. As árvores cheias de galhos eram as nossas preferidas para trepar até as grimpas e lá se balançar. No tempo das frutas aí é que era melhor. Por esta época (abril/maio), a gente vivia cheirando à mexerica. O nhonhô Armiro ridicava suas laranjas.  “Ainda estão verdes! Vocês não botaram reparo não?”. Não, a gente não reparava nisso. Bastava ele se distrair um pouquinho para a gente ficar cutucando a mexeriqueira do cisqueiro. Debaixo de uma sombra qualquer, bem distante dali,  as cascas se amontoavam. Que prazer!
                Nos amplos espaços, num tempo em que nem cercas existiam, fantástico era o esconde-esconde quase no serão. Mas tinha o pega-pega, o passa-anel, a amarelinha, as brincadeiras de roda e tantas outras mais. Ninguém queria parar para tomar banho. As mães gritavam: “Parem com isso que já escureceu”. Ai que preguiça de se esfregar! Assim que estávamos limpos, de chinelinho nos pés e devidamente vestidos, lá vinha a ordem: “Ponham uma roupa quente, de flanela. O frio chegou”.        Nossas roupas eram costuradas em casa, na máquina de costura da vovó.
                Logo chegavam os mais velhos: alguns estavam nas rodas de causos pelo jundu, uns vinham do jogo de bola na praia; outros da faina do mar, de armar tresmalho. No dia seguinte, antes do dia clarear, já estavam embarcados para a visitação. Não faltava o peixe fresco de cada dia.  Toda casa era cheia de gente. Prova disso era a mesa grande, onde todos se reuniam a cada refeição. Pelos cantos havia umas banquetas e uns mochinhos para garantir a presença de toda a família nesses momentos sagrados, onde farinha de mandioca e peixe era presença obrigatória. Quanta sustância! Mesmo assim, já se suspirava pelo porvir: a época da raposa, da gambá. Tempo para preparar cumbus, armar laços e mundéus. Os mais gulosos se lambiam: “A bicha já deve de estar com dois dedos de banha!”.
                A caça aos gambás findava em junho. “É preciso respeitar o tempo de cria delas”. Ninguém desrespeitava o ritmo da natureza, dos ciclos dos bichos. Só o Gusto, conforme eu já contei, ao capturar um gambá fora de época, teve uma reprimenda: “Solta o bicho, Gusto. Já passou o tempo”. E a resposta dele: “Não. Não vou soltar”. “Solta, Gusto. Agora já não presta para comer”.  Foi quando ele nos surpreendeu: “Não tem problema! É para a mamãe!”. Ai que saudade do finado Gusto da praia do Perequê-mirim!

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