sábado, 6 de abril de 2024

ESCURIDÃO CIVILIZATÓRIA

 

Entre arames - Arquivo JRS

     A madrugada é silenciosa, me faz divagar, refletir a respeito de tantos caminhos e de muita gente que fez ou faz ainda parte deste caminhar que é a nossa vivência. Tudo começou em nosso lar, com nossos pais e parentes (a família expandida) convivendo numa comunidade que era interdependente da natureza, vivendo praticamente da pescaria e do roçado. Em seguida, fomos aprendendo que nossas vidas se contextualizavam numa realidade maior de município litorâneo que se voltava à economia turística. Aí veio o despertar político. Ainda era a década de 1960, quando comecei a entender um tal de governo militar que se impôs pelo recurso vergonhoso de um golpe de Estado. Na década seguinte, já frequentando o nível ginasial, no grande colégio da cidade, onde o Exército tinha o seu representante, sargento-professor para "vigiar a ordem", entendi melhor as razões, os temores que resultaram numa escuridão civilizatória na História do Brasil. Depois, convivendo com pessoas comprometidas, na busca de melhores rumos democráticos, fiz a minha opção política mais condizente com a minha classe social, com os caminhos que eu trilhara até então.  Foram as prosas e convivências que me motivaram a ler mais e a escrever. Foram exemplos de vidas bem próximas de mim que me engajaram em tantos mutirões, em movimentos populares em defesa da vida. 

      Neste momento, passados sessenta anos do Golpe Militar, faço questão de transcrever um testemunho do Washington de Oliveira, o Seo Filhinho, relacionado à já citada noite de trevas, à escuridão que atendia, sobretudo, interesses externos, de determinadas nações que ainda querem explorar a classe trabalhadora brasileira, o nosso povo, as riquezas deste Brasil. Na época, na ocasião do Primeiro de Abril que fechou as portas democráticas, o nosso farmacêutico caiçara era presidente da Câmara Municipal. Por aqueles dias precisou se ausentar da cidade para fazer uma cirurgia, deixando um aviso na porta da farmácia: "Por motivo de força maior, esta farmácia ficará fechada por alguns dias".  Imagine o alvoroço, as interpretações, os temores de que o braço militar houvesse chegado à nossa pacata localidade. E chegou! 

      De acordo com o Seo Filhinho, "foram levados pela polícia o chefe político Verano Damas, o Antônio Barbosa, vulgo Antônio da Barra, o Amaro do Bar, o Benedito Livramento, o João Theófilo - vulgo João do Campo - e o Benedito Fragoso - vulgo Filhinho. (...) Em Santos, foram levados à presença de um delegado de cara fechada, voz forte, gestos largos:

    - Vocês, hein, caiçaras de meia-pataca, comunistas! Vocês ao menos sabem o que é ser comunista?

    - Mas nós, doutor, não somos comunistas... - atreveu-se interromper um deles. Nós somos veranistas...

      - Veranistas?! Cínicos e atrevidos é o que vocês são! Ainda têm a coragem de vir aqui com essas caras deslavadas dizer-me que são veranistas?

     - É sim, doutor. Nós somos aqui do grupo do Verano... Somos veranistas...

  No dia seguinte seriam recambiados a Ubatuba".


   É isto: cultivemos também as tristes memórias políticas para que elas não voltem a acontecer. Ninguém merece retornar à escuridão, ser direcionado, reduzido a um reles analfabeto político. 

   Feliz daquele que teve a oportunidade de se acomodar na Praça da Matriz e ouvir as prosas do Seo Filhinho!

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