segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

NOVO ANO

Arte na telha - Arquivo JRS

Eis a obra de Santiago Bernardes, diretamente da comunidade do Camburi (Ubatuba) para nós (caiçaras, ubatubenses, migrantes e visitantes). Valeu, irmão! O primeiro dia do ano
e o sol outra vez reaparece indiferente
aos milhões de pessoas espremidas nas praias
outrora pequenas vilas de pescadores,
Estes, cada vez mais raros
ainda lançam suas redes ao mar,
mas a esperança é um peixe fugidio
e as malhas trazem à bordo
o plástico da civilização
Mas há o sol
Há um presidente no centro seco do país
depois de muitas lágrimas
Há um covarde num avião
E há a fome
que também vira o ano
no estômago
de quem não faz viagem de revellion
não abre champanhe ou
pula ondas na praia
vestido de branco
Mas há o segundo dia do ano
e é uma segunda-feira
Há o varredor das ruas
limpando os excessos da alegria do povo
que se divide como torcidas de futebol
agora já sem seu rei
que não virou o ano,
pois reis e rainhas também morrem
como tem de ser
O primeiro dia do ano
é só mais um dia para o planeta
em seu giro pelo sol
Tantos calendários
Qual deles estará correto ou
mais próximo da física do tempo?!
As pessoas brindam
Pelo menos por um dia ao ano
tudo deve estar bem ou parecer
É preciso postar a foto da meia noite com os amigos , a frase filosófica,
a citação aleatória de um livro
No primeiro dia do ano
há trabalhadores caminhando no escuro
para mais um turno na fábrica que gira o mundo
Suas mãos são rudes de ferramentas
que aqueles que inventaram o lucro desconhecem
assim como o cansaço de mais um ano percorrido
E a travessia dos trezentos e sessenta e cinco dias
é mais uma conta que não fecha ao final
Mas há sol e se há sol há festa
no país do carnaval
Há o álcool, o cigarro, a cocaína,
a televisão, o trânsito, a areia, o asfalto,
os apartamentos que se levantam do chão a cada verão
com a promessa do paraíso tropical a prestação
No primeiro dia do ano
há também um lavrador num campo
debaixo de um chapéu de palha
Há um pescador numa canoa silenciosa na madrugada
vasculhando as águas a cada ano mais vazias
Há um fogão de lenha numa casa na mata
o café no quintal, uma viola e uma enxada
e uma janela que olha de longe a cidade iluminada
que comemora mais um ano e cresce
sem saber ou ligar para essas coisas chamadas de velhas
e que não são celebradas
e  a cada ano vão ficando mais raras

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