terça-feira, 19 de abril de 2022

UM SANTO CAIÇARA

A rabeca do tio Dário - Arquivo JRS

 
Elias, o nosso santo - Arquivo JRS

      O estimado primo Elias cumpriu muito bem o seu tempo de ser vivente nesta Terra. Deu o melhor que alguém pode dar:  bondade, paz,  lealdade,  justiça,  simplicidade e pureza de coração. Com seu talento embalou inesquecíveis momentos, sobretudo ponteando os chorinhos no cavaquinho. Com sua simplicidade contava histórias de outros tempos registradas na memória, vivenciadas e/ou aprendidas da mãe e do pai.

     No meu tempo de criança, já contei aqui, eu adorava atravessar um eito de mato para chegar à casa do tio Dário e da tia Maria para escutar aqueles momentos musicais que eles (a família Alves Barreto: tio Dário, tia Maria, Elias, Toninho e Ditinho) improvisavam na sala daquela casa, no morro da Fortaleza, nos finais  de tardes. Eram os nossos vizinhos mais próximos. Violão, viola, rabeca, pandeiro e cavaquinho se inteiravam no acompanhamento das músicas quase sempre puxadas pela titia. Eu me acomodava numa canoa velha com redes dentro que ficava encostada junto a uma das paredes. Confesso que nunca mais vi isso, esse móvel singular, em nenhuma outra casa caiçara.

     “Eliazinho”, conforme chamava a tia Maria, era o mais velho dos filhos. Por ser tocador, assim como os irmãos, estava sempre nos momentos importantes da comunidade (cantoria de reis, oração na capela, bailes, rodas de cantoria na praia etc.). Toda essa gente, bem como outros tantos daquele tempo, tocavam “de ouvido”, aprenderam com os mais velhos, nunca tiveram chance de estudar nenhuma teoria musical. Sempre me recordo de noites de cantoria na praia da Fortaleza, quando rapazes e moças debulhavam músicas na areia, no lagamar, quase sempre acompanhadas de instrumentos de cordas, atabaque, pandeiro e agogô. Por volta das 22:00 horas já era tarde, estávamos sonolentos e precisávamos descansar para as atividades do dia seguinte. Alguns se despediam dali mesmo; outros seguiam juntos, se separando pelo caminho conforme chegavam em suas casas. Nem os cachorros latiam de tão acostumados que estavam. Alguns deles até se estiravam rente do grupo, parecendo aproveitar da cantoria na areia fofa.

    Jovem ainda o Elias contraiu a doença que o acompanharia pelo resto da vida. Vivia sob remédios, não podia fazer muito esforço físico e nem abusar do sereno, chuva e sol. Mas nunca deixou de ter próximo de si os instrumentos. Eu nunca ouvi uma palavra ruim, um comentário maldoso que saísse da boca do querido Elias. Por isso sempre acreditei que ele era um homem santo.

    A rabeca que pertenceu ao tio Dário está agora sob nossos cuidados. Foi presente dos irmãos ao meu filho Estevan. A cada vez que eu ouvir o seu som saindo do quarto, vou me recordar das vezes que presenciei alguém da família Alves Barreto me proporcionando uma elevação pela música. De todas as oportunidades que vivemos juntos, a bondade, o talento musical e os acordes de seus instrumentos são os que se destacam e o imortalizam. O primo Elias foi um modelo de caiçara marcante. Sigamos seu espírito.

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