quinta-feira, 27 de agosto de 2020

CAIÇARAS PASSANDO

Eu e Nízio: frio de cobrir os braços (Arquivo JRS)


               “Não é esta a rua. É a outra que não tem uma coisa grande amarela como aquela ali. Nesta rua, tá vendo ali?, tem a casa da passarinhada ao lado de onde é o médico de vistas. O dono da casa põe  água com açúcar, banana, mamão e quirera; todo tipo de passarinho passa o dia inteiro num vai e vem. Vamos atravessar depressa para ver de perto”. “Nossa! As mariquitas parecem despencar no bebedouro e subir feito ondas! Olha no prato do lado, cheio de rolinhas, canários e outros que nem sei os nomes!”. “E ali,então! Sanhaços, tiés, bonitos e outros estão na festança!”. Eu tenho de concordar: é um banquete na beira da rua. As duas mulheres estão perfeitas na empolgação. Eu estou lendo perto delas, no portão ao lado, num banquinho improvisado. Seus olhos brilhavam, suas cabeças se moviam pra lá e pra cá, pra cima e pra baixo. Passaram tempo ali encantadas pelos passarinhos coloridos, na farra pela bebida e comida que gente bondosa oferece. Na verdade, parei no número 16 esperando Nísio, o purubano. Ele é o pedreiro da obra. "Serão salas para alugar", segundo ele. “O meu genro é o proprietário, está fazendo aos poucos, conforme o dinheiro deixa”.

                Nízio é do sertão do Puruba, mas vive na Estufa II há mais de quatro décadas. Conheço suas filhas desde que nasceram. É dançador de congada da mesma turma dos saudosos Dito Fernandes, Pedro Brandão, Anastácio, Decão e outros tantos empolgados da Congada de São Benedito do Sertão do Puruba, que desceu a serra por influência de Cunha, o município vizinho.

                De repente uma das mulheres diz: “Ai, vamos embora, Juraci. Temos que ir  para outro lugar. Logo escurece, mas lá só tem claridade”. Dei uma piscada e não vi mais as duas, mas reconheci  pelas costas o Élcio Salomão. Logo desapareceu também. Será que sonhei embalado pelos pios dos passarinhos? Me dei conta que as duas de antes eram Cida e Juraci, primas que nos deixaram. Agora, acabou passando o Élcio, outro caiçara do tempo do papai, de um falar contagiante, especulador de fatos e contador de histórias, sobretudo do nosso lugar, pois nasceu na prainha, logo depois da boca-da-barra da Maranduba, bem dizer aos pés do Morro do Cemitério. Na minha infância, ele era mascate, andava negociando por todos os lugares daqui. Andava muito e conhecia muita gente. Sempre foi muito bem acolhido lá em casa. Não sabia o que fazer a mais para nos acolher bem na sua moradia, ali, na rua detrás do “Tubão”. Terminou o seu tempo como corretor de imóveis. Devo muito ao Èlcio pelas boas prosas. A certeza é que todos vamos passando. Somente as memórias poderão permanecer.

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