sexta-feira, 20 de março de 2020

O POVO DO ALTINO (II)

Cacique Altino e eu (Arquivo JRS)


          Na aldeia, após tomar o café num agradável ambiente, proseando com o Marcos Tupã, me desloquei para o terreiro, onde várias mesas estavam disponíveis para os que continuavam chegando para a primeira refeição do dia. Numa delas avistei o Zeferino, um exímio artesão da aldeia Bracuí,  e  Altino, o cacique, dois pioneiros da área, também responsáveis pelo crescimento do grupo guarani m’byá. Ali na mesa conversamos a respeito de muitas coisas, recordamos passagens engraçadas e questionadoras. Por exemplo: do enfrentamento, em meados da década de 1980, com o então prefeito Pedro Paulo, reivindicando apoio na luta pela demarcação das terras, melhorias na região norte do município, inclusive na estrada de acesso, em mais ônibus circulando até Camburi para facilitar a venda de artesanatos e palmitos. A imagem mostra o guerreiro Altino na defesa de causas importantes até hoje.
O aguerrido cacique e o prefeito (Arquivo Casa de Reza)

                “E o que dizer, Altino, das investidas de outras religiões, de religiosos querendo se estabelecer na aldeia, corromper a religiosidade dos indígenas?”. Na sua simplicidade de sempre, assim relatou o veterano cacique: “Muitos pastores já vieram aqui, tentaram nos convencer da religião deles. Chegam com uma conversa que querem ajudar, querem ouvir das nossas necessidades e coisa e tal. Um deles viu as condições da escola, disse que promoveria as melhorias, falou mais uma quantidade de coisas, mas foi embora e nunca mais voltou. Outro, do Rio de Janeiro, como quem não queria nada, logo foi me oferecendo cesta básica. Eu falei que, se quisesse dar essa ajuda, teria que ser para todas as famílias porque todas precisam. Só que, com respeito à religião, nós temos a nossa Casa de Reza, a nossa tradição, os nossos costumes. E vamos continuar sendo assim. Depois disso, ele não apareceu mais. Só os padres católicos, os poucos que vieram aqui nesses anos todos, nunca falaram nada de religião e se mostraram sempre como apoiadores das nossas lutas”.

Crianças e jovens guaranis (Arquivo JRS)

                E a nossa prosa foi longe, com constantes interferências de alguém participando ao cacique a respeito de algum procedimento, de visitantes fazendo questão de o cumprimentar etc. Também fiquei impressionado com vários jovens conhecidos trazendo suas crianças para me apresentarem! Em torno de nós, espalhados pelas sombras das árvores, nas várias mesas, adolescentes conversavam alegremente. Que satisfação em ver esses jovens! É o povo do Altino que cresce!

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