sexta-feira, 3 de novembro de 2017

O VESTIDO DE LOUVARINA

Placa de impressão com estampa floral, da fábrica Cedro & Cachoeira (Imagem da internet)

               Louvarina, conforme costume das antigas famílias caiçaras, recebeu este nome porque nasceu num dia de louvor registrado no calendário cristão. O seu lugar: uma praia distante da cidade. Por ser de família pobre e numerosa, ela cresceu adorando os vestidos que sua mãe costurava. “Eram lindos os meus vestidinhos de chita. Você precisava ver!”. A primeira roupa chique que teve foi comprada assim que começou trabalhar fazendo limpeza na casa de gente rica. Não demorou para encontrar o primeiro amor,  namorar e casar. Os filhos vieram um atrás de outro. Também não demorou a sofrer pelas traições do marido. Suportou todas as dores porque os filhos eram pequenos ainda. "Eu tinha de esperar eles crescerem".
               Veio a separação, o desquite... e uma nova fase começou em sua vida: para dar a volta por cima, Louvarina encomendou lindos vestidos. “Olha ali nos cabides. Não são lindos?”. E, como adorava dançar, viveu inesquecíveis momentos frequentando forrós com amigas.
               A  casa onde morava, num bairro da periferia, era resultado da herança de seus pais; o ex-marido causador de tantas angústias, nem deveria ter parte. O sonho dela? Vender a casa e se mudar para a cidade, onde estão as lojas com lindos vestidos. “É cada um mais bonito que o outro!”. Pude perceber, ao longo do tempo, que a sua ideia fixa era possuir um vestido especial. “Eu ainda hei de encontrar o vestido de ramagem mais bonito que tem. Nesse dia, na nova casa, chamarei todos os filhos e netos para almoçar. Depois, juntos, vamos tirar uma fotografia da nossa família para ficar na parede da sala”. Quando estava a um passo de realizar seu sonho, recebeu a notícia que o ex-marido, mancomunado com um dos filhos, colocou uma barreira, impedindo-a de  negociar a casa.
               Se angustiou... se conformou... Junto com o sonho que morreu veio a sua própria morte. Fui velar Louvarina. Me surpreendi ao encontrá-la vestida com um lindo vestido, cujas ramagens dispensaram as flores que sempre emolduram os defuntos. Estava linda. Uma mocinha chorosa, talvez uma de suas netas, percebeu a minha emoção. “Bonito, né? Foi uma afilhada dela quem o comprou. Só estava esperando chegar o seu aniversário para surpreendê-la. Era sonho dela um vestido assim”. Era mesmo, eu sabia.

               Depois do sepultamento dessa caiçara lutadora, cuja fortaleza sempre admirei, fui remoendo sentimentos e pensando na ética que nos ajuda a estudar as condutas e finalidades do homem enquanto indivíduo. Mas não me demorei nisso, pois ainda estava extasiado pelo vestido da Louvarina. Ah! Que vestido!

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