sábado, 24 de setembro de 2016

FEIRA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL - RELATOS (VII)

1993- Eu, Fábio e comunidade na escola do Saco do Sombrio (Arquivo JRS)

A ESCOLA DA VIDA  -  Regina Natividade de Azevedo
(Parte II)

Partindo daí, as aulas tornaram-se ricas, tanto para mim como para os alunos. Na verdade, o que acontece é que o saber contido no ler, escrever e contar dessa gente é toda uma cultura já definida. A cultura é a do lugar, e, a escola, ao que parece, desvaloriza todo um valor cultural contido na vida dessas pessoas. Eis então a dificuldade que surge: “Saber levar a vida dessa gente para dentro da escola e a escola transformar-se em vida”. No início acharam estranho o fato de eu estar interessada em conhecer seus costumes, o modo de vida para, a partir daí, trabalhar esses dados no currículo. Porém, aos poucos foram me aceitando.

Houve crianças que deixaram de frequentar a escola por achar que eu não deveria me envolver efetivamente com outras famílias da praia vizinha. Aos poucos é que fui conseguindo entender o que estava acontecendo. Houve ainda um ponto de dificuldade no desenvolvimento do trabalho, quando começaram a surgir problemas de relacionamento, que foram gerados pelo choque cultural professor/comunidade.

Eu queria partir da realidade deles, mas por esbarrar nestes problemas, ficou difícil principalmente por eu não ter com quem desabafar e/ou trocar experiências, ou mesmo dar continuidade a um sistema construtivista. Sei que eles não estavam acostumados com o sistema que adotei, pois estávamos deixando de lado velhos costumes como o uso da cartilha, cópias e partindo para um trabalho mais exigente – em grupinhos, com discussões – enfim, atividades que passaram a explorar mais o conhecimento.
Eu trabalho com uma classe multisseriada, com atividades desenvolvidas em conjunto. Toda a produção das crianças é exposta como forma de se autovalorizarem.

Fizemos trabalho como desenhar mapas e o local de moradia, procurando fazer o máximo de observações como: o tipo de vegetação, as construções das casas, o trajeto casa-escola, a escola e sua localização etc. Chegamos até a pesquisar um pouco sobre a história da vida de cada um, o que fazem em relação a trabalho, lazer, escola. Dessas atividades, cada criança elaborou seu próprio livrinho de história. Antes, porém, trabalhamos em cima de diversas leituras, de diversos autores. A meu ver, no exercício de leitura, era  e é preciso saber trabalhar os conteúdos antes da mesma (da leitura), de forma que as crianças possam assimilá-los. Não foi fácil porque nem tudo que para nós é bom e interessante tem para essas crianças a mesma importância. E como desenvolver um trabalho que agradasse a todos ao mesmo tempo, inclusive a alguns pais que pareciam no início estar preocupados com a validade do novo método. Haja fôlego!

Depois de um tempo participei de um curso sobre alfabetização na pré-escola, cujo tema central era não desvincular as disciplinas umas das outras, e nem da realidade das crianças. Voltei para a escola mais confiante, trabalhando assim a interdisciplinaridade. Passei a usar alguns livros que me ajudavam no preparo das aulas quanto ao objetivo, conteúdo, estratégia, interdisciplinaridade e avaliação no decorrer das atividades. “A Proposta Curricular para a Educação na Pré-escola”, da CENP, 2ª edição, 1991. E também as propostas curriculares para o ensino das diversas disciplinas.

Resultados
Como principais resultados e/ou mudanças tivemos:
1º) O registro de algumas informações sobre a comunidade do Sombrio.
2º) Um maior conhecimento das crianças sobre a história do lugar onde moram e onde nasceram.

Durante o ano também fizemos planos para outras atividades que não puderam ser realizadas, como a horta por exemplo. Pretendo retomar essas atividades no próximo ano.

Conclusão
É nessas escolas, com essas condições, que professores recém-formados, sem experiência, dão início à carreira, no Sistema de Educação. Geralmente o professor não faz a escolha. Essas escolas são “sobras”. Sem falar que assumir essas escolas é fazer também uma opção de vida, que vai além da opção de trabalho, porque é aqui que passamos a maior parte do nosso tempo, dependendo de “canoa” dos pescadores para sair, o que às vezes é difícil, mesmo em época de pagamento, reuniões e caso de emergência. E, por mais que a gente se infiltre na vida dessa gente, acho que jamais deixaremos de ser “estrangeiros” aos olhos deles. Afinal, o que trazemos e temos para oferecer é bastante diferente. O nosso padrão cultural é outro. E, mesmo que achemos que temos a mesma condição de classe, embora façamos parte de uma mesma classe social (dos oprimidos, uma classe tão lesada e castrada de seus direitos), ela se diferencia um pouco.


É também aqui, nestas ou em condições até piores, que vivemos e, dependendo da maneira com que assumimos o trabalho e a vida no trabalho, vale a pena viver essa experiência apesar de tudo a que estamos sujeitos. O desafio é grande. Porém, se aprendermos a superar as dificuldades, o resultado é ainda maior! E é por isso que vale a pena continuar. 

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