terça-feira, 8 de dezembro de 2015

VAI SE FIANDO!

Causos no sarau (Arquivo Ane Casalderrey)

Nossos reis estão chegando (Arquivo Ane Casalderrey)

                    Agradeço muito pelas imagens da amiga Ane. Também só tenho a agradecer pela confraternização por ocasião do lançamento do Escrafunchando o lagamá. Festa é com você mesmo, né Júlio ?!? Foi ótimo rever tanta gente boa, especialmente o mano Jairo que veio diretamente de Areias para o evento.

                Se fiar, no dizer dos antigos caiçaras, era confiar. Desta raiz vem, por exemplo, fiado. Vender fiado é entregar uma mercadoria na confiança de receber depois, se fiar que não vai perder de lucrar.
                A confiança no outro, em outros tempos, dispensava até mesmo a necessidade de documento escrito. “O que valia naquele tempo era o fio do bigode, ou seja, a palavra dada”, assim nos ensinava o papai desde criança. Se fiar em alguém é depositar a total confiança. Isto acontecia em toda e qualquer ocasião (na construção de uma casa, no preparo de um roçado, na retirada de uma canoa etc.). Neste momento, tenho na lembrança os homens das praias da Fortaleza e do Sapê, os meus parentes que tinham, a cada semana, uma pescaria comunitária. Sabe por que dava certo esse ritual caiçara a cada semana? Porque o mestre da rede se fiava nos camaradas, não duvidava que, ao tocar o buzo, na madrugada, logo acorriam aqueles que compartilhariam as etapas da pescaria e dos quinhões no final da tarefa.
                A confiança tem forte componente religioso. Prova disso é a recorrência ao “tenho fé em Deus”, “com Deus hei de vencer”, “confio muito na minha Mãe do céu” etc. Só que as regras têm exceções, nem sempre é recomendável confiar totalmente. “É preciso confiar desconfiando”, dizia o saudoso Tio Chico Félix de vez em quando. Na verdade, era a fala dele para a gente se precaver em determinadas situações, com determinadas pessoas. A literatura bíblica até tem uma frase lapidar: “Sede manso como a pomba, mas astuto como a serpente”. No entanto, se multiplicam outras frases comuns na religiosidade popular: “Ai, minha Nossa Senhora”, “Acuda, minha Virgem Maria”. E por aí vai.
                Numa ocasião, no mês de outubro do ano de 1963, pescando sororoca no correr da linha do Mar Virado, ao ver o tempo virando para uma tormenta que prometia fazer muito estrago, Tio Chico enquanto levantava a poita, escutou de várias canoas vizinhas o apelo-confiança: “Valei-nos, Virgem Maria”. O imediato comentário dele entrou para o nosso código caiçara: “Se fia na Virgem e não corre não pra ver!”.  E saiu remando com toda a força que tinha, buscando abrigo e se salvando no Saco do Cedro, onde morava o Tio Lindo. O resultado daquela ocasião, conforme já sabemos, foi uma triste tragédia, sobretudo aos pescadores mortos da Praia Grande do Bonete.
                Hoje, em muitas ocasiões, a gente repete:

                - Se fia na Virgem e não corre não pra ver!

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