quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

FOI-SE O CHICO DO BALAIO

         
Balaio do Chico (Arquivo JRS)
  O amigo Nenê Velloso, depois de ler o causo do graveto do  Mané Bento, escreveu:

"CRUZETA PARA PESCAR  PANAGUAIÚ, essa foi no fundo da minha alma, não podia imaginar que alguém lembrasse disso. Na hora  o filme passou na minha cabeça, eu pescando panaguaiú com a cruzeta de lasca de bambu, e para ficar mais bonita eu fazia da ponta da flecha de Ubá, linha de tucum e anzol unha de gato". 

          Assim, o meu objetivo no blog vai sendo alcançado: ser um espaço de partilhar nossa cultura caiçara, de fazer com que mais pessoas aprendam as características do nosso lugar. Continuo convidando outras pessoas a darem suas contribuições, deixando suas marcas e suas experiências. É muito bom isso tudo!

         Para acolher a Novidade do Natal, eis mais um causo do saudoso Mané Bento, esse meu parente que há décadas nos deixou, morava sozinho no jundu da Praia da Fortaleza. Vivia na paz, embalado pelo barulho do mar. De vez em quando eu aproveitava para lhe dar mais atenção, para escutar suas histórias. Esta eu escutei logo após um período de internação dele na Santa Casa, por motivo de "doenças nos peitos". Quero dizer, para começo de conversa, que o Mané Bento era muito desconfiado. Isso ajuda a entender o ocorrido. Fala, "Mané Aguado"!

"Você sabe, Zezinho, que neste mundo tem gente pra tudo: uns são bons, outros são ruins. Antigamente, quem podia, contratava até alguém para provar a comida antes comer. Era medo de ser envenenado. Dessa vez, onde fiquei internado, vivi coisa parecida. Primeiro me deixaram alguns dias só em observação, com doutor e enfermeiras escutando o meu velho coração, medindo a pressão e dando uma comida muito rala, sem gosto nenhum. Eu estava num quarto com mais uma pessoa doente, quase nas mesmas condições minhas. Era Chico Freitas, da Picinguaba. O meu medo maior é que me dessem um remédio que não eram remédio. Afinal, eu já escutei histórias de gente que partiu desta vida depois de lhe ministrarem ‘um remédio’. Também tenho muito medo de remédio que não seja do nosso chazinho de mato de cada dia. Mas aconteceu: numa noite, logo depois do serão, me apareceram com dois comprimidos. 'É para aliviar a dor, seo Maneco'. Na hora eu pensei: 'Sei. Eu sou bobo de cair nessa?!?'. Só pedi que deixasse ali, junto com a água. 'Já vou tomar assim que enxaguar a boca para dormir'. E a enfermeira acreditou que eu faria isso. Mas sabe que eu fiz? Eu peguei os comprimidos  e dei, junto com água, ao paciente que estava na outra cama, dizendo: 'toma tudo que é para sarar logo e voltar amanhã mesmo para casa'. Ele tomou tudo. Até pediu mais um gorpe de água. E fomos dormir. No dia seguinte, ainda de madrugada, tava aquele rebuliço. O Chico tinha morrido. Na hora agradeci a Deus. Ele me salvou, me iluminando para que não tomasse daquele remédio. Senti pela morte do amigo que dizia viver da pesca e da roça, fazendo de vez em quando alguns balaios e tipitis. E o momento era próprio só para uma coisa: uma bronca por tentarem me fazer de bobo: 'Ainda bem que eu não tomei dessa porcaria que vocês me receitaram. Viu só! Dei pro Chico e ele morreu. Era pra mim esse 'remédio'. Era para me matar, né?".








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