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Borboleta - Arquivo Jair Antônio |
De vez em sempre me pego pensando em gente e em momentos que se passaram há anos, em contextos diferentes do dias atuais e até mesmo em lugares distantes. Dias atrás, depois de me admirar com umas fotografias do amigo Jair Antônio, dono do restaurante Monte Moriá, em Marmelópolis (MG), me deparei com a amiga Nalva e mais gente numa manifestação defendendo a urgência de um terminal de ônibus urbano digno para a nossa cidade (Ubatuba) e fiquei me recordando de tanta gente boa que já cruzei na caminhada. Para ficar em apenas um exemplo: Vicente, quando estudávamos no início da juventude, certo dia apareceu vestindo uma camiseta com a sigla MeMo na parte da frente. "Ué, que é isso, meu irmão?". Ele se perfilhou, deu uma puxada na roupa e explicou: "É o meu lema a partir de hoje. Significa Memória e Movimento". Percebendo que eu esperava mais detalhes do tal MeMo, ele continuou: "Eu e o Chico decidimos morar juntos, fazer um trabalho de conscientização política e de solidariedade na parte mais pobre de Mauá, onde já está avançado o processo de favelização. Não é possível que as pessoas percam aos poucos até mesmo as condições básicas de sobrevivência e não questionem, não se organizem para resistir a todo tipo de opressão. O primeiro passo já demos, estamos morando no local, nas condições próximas dos moradores de lá. Nesse primeiro momento estamos visitando as famílias para estabelecer amizades e conhecimentos, saber um pouco das histórias de cada um, proporcionar oportunidades para relembrar/reavivar memórias". "Eu entendi bem até este ponto, irmão. Sei o quanto a memória da nossa trajetória de vida é capaz!". "Pois é, meu chapa. Então, a partir dessa etapa, bem dizer se dando logo a seguir, vem o Movimento, a delineação do que precisamos fazer para recuperar a dignidade daquele lugar, das pessoas que ali moram. Daí MeMo - Memória e Movimento". Achei louvável a decisão da dupla, mas muito desafiador. Vivendo de bicos seria muito difícil aos dois, mas me prontifiquei em ajudar de alguma forma. Afinal, um galho sozinho fica fácil de quebrar, mas juntando a outros se torna quase impossível a tarefa, né? Foi assim que eu, de um dia para outro, estava colaborando na estamparia de camisetas que seriam vendidas e formariam o primeiro fundo, o recurso econômico da MeMo em seus desafios. Resumindo a história: Vicente e Chico se tornaram queridos por toda gente dos arredores e ajudaram muito. Não demorou para que a força aumentasse: grupos religiosos diversos entraram na empreitada, novas lideranças políticas ligadas às causas populares se forjaram nas lutas por saneamento, área verde, transporte, saúde, lazer etc. Anos depois aquele bairro na periferia estava com uma cara bem diferente, até escola bem equipada já funcionava para atender a criançada que crescia. Onde foram parar os dois amigos? Chico se casou com alguém dali, continuou no bairro. Vicente partiu para a Amazônia, foi como enfermeiro voluntário numa comunidade ribeirinha bem distante de qualquer cidade, onde a coleta do açaí e a pescaria eram as principais fontes de renda. Nunca mais recebi notícias dele, mas tenho certeza que o princípio da Memória e Movimento jamais o deixará. O mesmo digo do Chico que será um militante contra as injustiças pelo resto da vida que ainda resta. Desejo muita força a esses irmãos e irmãs da utopia na vida plena!