sábado, 1 de novembro de 2025

É SINA

 

Arte em casa - Arquivo JRS 

    A gente sofre, chora, fica inconformado por um tempo quando parte do nosso meio uma pessoa querida. A cada finados os cemitérios recebem visitas na intenção de reverenciar os mortos, aqueles que nos deixaram. Os pesquisadores já afirmam que o culto aos mortos é muito antigo, fazia parte dos primeiros grupos de seres humanos. Deduzem isto pelos achados arqueológicos, pelas formas como os esqueletos foram arrumados e por restos de oferendas no local. Podemos inferir de tudo isso que, desde aquele tempo primordial, os humanos acreditam numa outra forma de vida que está além da breve existência do corpo vivente? Mais tarde surgiram divindades, inferno, purgatório, céu...e o conceito de alma imortal. É isto: não queremos aceitar que a vida seja só isto (nascer, viver e morrer). 

    Os conceitos de céu e inferno visam servir como parâmetros morais: se fizer o bem merecerá o céu, se fizer o mal arderá nas chamas do inferno. Sacerdotes e sacerdotisas vivem às custas das teologias, das exigências das divindades para com seus fiéis, mas tudo se sustenta na crença da existência da alma. Se ela é imortal, precisa ir para algum lugar depois da morte corporal. Sacerdotes e sacerdotisas pretendem saber o caminho melhor para a alma, ditam os preceitos morais. Aos demais humanos resta a escolha do caminho, fazer em vida as ações merecedoras da vida no além. "Porque a justiça divina vem".

    Edifícios teológicos estão no topo da pirâmide social. Quem almeja o poder político sabe disso. Não é à toa que agora até está se criando uma "bancada cristã" na sede do poder em Brasília. Localmente, até um conselho de pastores recebe terreno público para se fortalecer. (Leia-se fortalecer o poder político). Edifícios teológicos são superados pelos edifícios de riquezas dos ídolos dessa bancada que se justifica em "honra e glória a Deus". Igrejas são isentas de inúmeras taxas porque precisam ostentar poder e riqueza? Porém, já sabemos da moralidade predominante no povo que grita "Deus, Pátria e Família". Aqui apresento uma frase em torno de uma tragédia recente: "Se você é uma pessoa cristã e está comemorando o que aconteceu no Rio de Janeiro, já pode rasgar sua Bíblia e sair da igreja". Vale para qualquer pessoa, independente de ser dessa ou daquela denominação. Vale para todo ser humano que tenha a ética como parâmetro: as injustiças não podem justificar matanças. Segundo consta, disse Jesus: "Eu vim para que todos tenham vida". "Ah, mas a bancada cristã vibrou no plenário!". 

  Enfim, não se trata de ter alma ou não ter alma. A nossa responsabilidade é por vida digna, plena, para todos nesta Terra, nesta vida! Acima de toda moral está a ética! Lembremos os nossos mortos, bem como todos os que passaram por esta Terra cultivando os maiores e melhores valores que eles escolheram. Só assim a gente se fortalece. É sina dos sóis se apagarem, mas a memória de cada pessoa que nos deixou com bons exemplos irá permanecer em nossas memórias como o Sol maior.



quinta-feira, 30 de outubro de 2025

ONDE SE PASSA NÃO É AONDE SE VAI

 

Girassol - Arquivo JRS 


Meu amigo enviou mensagem:

Na costeira há uma boca de esgoto.

Vem de onde?

Daquele condomínio de ricaços,

Dos que chupam vidas, deixam bagaços.


Meu amigo assim encerra sua fala:

Deixemos de lado, vamos levar a vida.

Vem de onde isto?

Séculos de conformismo tão baixo,

Paz de morte que eu rechaço.


Meu amigo ficou calado,

Minha gente está dobrada.

Vai parar onde isto?

Tudo se estilhaçou;

Um caleidoscópio que se quebrou.


Meu amigo se foi na dor.


quarta-feira, 29 de outubro de 2025

AONDE LEVA A PORTA?

 

Porta queimada - Arquivo internet 

  Viajamos sempre. Cada dia é uma prazer que chega com a claridade: a saúde tá de acordo, a companhia fiel segue disposta a amar nosso jeito e nossas conquistas, sol ou chuva são bem-vindos, nossos animais sempre esperam algo de nós, as plantinhas crescem, florescem e e frutificam, nossas crianças se tornam adultas nos desafios, mas sempre sabendo que há um outro chão a sustentá-las. Vemos artes em muitos momentos do cotidiano, lemos, escrevemos, recebemos notícias desse mundo afora e da realidade do terreiro de casa. Eu penso na irmã e nos irmãos, nas pessoas próximas e/ou distantes cheias de carinho por nós... Enfim, nada como começar cada dia com novos estímulos e energias renovadas!

   Lá fora um vento assobia refrescando a primavera, aqui dentro de casa a inspiração murmura. Penso na igreja que teve a porta queimada. Incêndio criminoso como muitos outros neste país chamado Brasil? Pode ser sim! Que mal fez uma porta? Nenhum! "Ah, mas o padre pode ter proferido um sermão que mexeu com os interesses egoístas da classe conservadora/reacionária". Ou..."Neste país agora se vive uma onda de intolerância religiosa, com tendências cruéis se manifestando contra um exercício de cidadania comprometida com mudanças sociais, querendo que as desigualdades sejam abrandadas". "Também não é de se descartar fanatismo religioso". Não consigo imaginar um ser religioso que não queira a vida em plenitude para todo mundo! O motivo não foi para roubar, pois outras portas mais fáceis estavam logo ali, na lateral. "Será que ali não repousava uma pessoa com alguma deficiência mental se aquecendo sob proteção do templo?". Pode ser tudo isso. Portas fechadas é sinal de não acolhimento. 

   Nenhuma divindade precisa de templos. O corpo, o ser de cada um de nós é um templo. Passo sempre pelas ruas e vejo templos desacorçoados, sem portas, sem telhados, sem estímulos que não sejam apenas a sobrevivência. Templos sagrados em cada corpo humano estão pelos caminhos e beiradas de telhados implorando pão e acolhida; templos abandonados e perseguidos que valem mais que qualquer porta. Porta queimada: que sobressalto em meu coração! Tenho chave para abrir tal porta?

    Porta fechada pode esconder uma passagem a um espaço lindo e aconchegante, lugar de vida plena. Quem tem a chave? A chave foi dada a Pedro, um pescador ignorante, sem estudo algum. A chuva recomeçou. A porta queimada continua fechada. O viajante se despediu da cena depois de ter deixado uma esmola para a igreja. Uma coisa é certa: cada dia precisa de novos estímulos e de energias novas.



terça-feira, 28 de outubro de 2025

ÁGUA SEM VIDA É...

 

Bandeira verde - imagem internet

  Uns dias atrás eu me deparei com a imagem de uma placa muito chocante em torno da realidade do nosso mar  que causa muita tristeza e preocupação. É certo que ao longo dos anos ele vai perdendo vida. Quem perde  vida também não gera vida. Pelo contrário, gera morte. Na verdade, não é apenas o mar que está morrendo; nossos rios também estão no mesmo caminho. Foi-se o tempo em que podíamos tomar água de qualquer regato, se banhar em qualquer rio, se alimentar dos peixes deles. Canos de esgotos são visíveis em qualquer ribanceira, tudo o que não presta mais  é descartado nos veios d'águas, nas margens dos rios ou até mesmo dentro deles. Aquele óleo, as sujeiras do vizinho sem-noção, sem educação, que regularmente lava os veículos na calçada, acabam escorrendo para o rio mais próximo. Para onde vai tudo isso? Para o mar! Duvida disso? Vai na beira do mar, na praia, depois de uma chuva forte e veja o que está encalhado com a ciscalhada. Vai lá! 

  Agora me diga: como iremos à diversão nas praias e rios sabendo de tudo isso? Eu, há um bom tempo, me contento em apreciar de longe essas nossas belezas. Poucas praias mais isoladas me inspiram confiança em me banhar e ficar na areia. No entanto, a maioria das praias estão lotadas de turistas, as cidades continuam a produzir mais esgotos sem o tratamento adequado, a vigilância sanitária não consegue barrar as obras irregulares e as condutas de desrespeito ao meio ambiente, a educação escolar não alcança a conscientização necessária, os comerciantes põem o lucro acima de tudo etc. Enfim, o mar se converteu numa espécie de fossa geral, para onde tudo segue. 

  A imagem a que me referi no início deste é uma placa da empresa responsável pela verificação da qualidade das águas. O texto desperta para uma incoerência: a praia está liberada, própria para quem quiser aproveitar, desfrutar do lazer ali, mas tem um cheiro insuportável. Pode isso? Nas minhas manhãs, indo de Ubatuba para Caraguatatuba, percebia cheiro desagradável em diversos pontos da estrada: perto do posto de gasolina na Estufa, na área do rio Jundiaquara, quase na rotatória da praia Grande, na ponte da praia Dura... Foi nessa época que o saudoso Emílio Campi escreveu um texto com um título cruel: Ubatuba cheira merda. Você acha que hoje, oito anos depois, as coisas melhoraram? Atmosfera de bosta seria o termo adequado, de acordo com o primo Zé Roberto. É, pode ser.

   Água sem vida é...

  Não nos esqueçamos: o meio ambiente saudável, a beleza deste litoral onde nascemos é a nossa "galinha dos ovos de ouro".


segunda-feira, 27 de outubro de 2025

SER DOCENTE, SIM!

 

Imagens da felicidade - Arquivo Rê

   A  minha muito estimada Regina, formada na EE Deolindo, de Ubatuba, na virada da década de 1980, começou a exercer o magistério num lugar distante de casa, no outro lado da Ilhabela, na comunidade do Saco do Sombrio, no começo da década de 1990. A escola isolada lhe servia de moradia, com crianças e familiares lhe servindo de companhia. Ela, por dois anos, foi integrante da cultura caiçara daquele lugar. Será que nos dias atuais ainda tem moradores, comunidade caiçara por ali? Se eu tivesse condições, pegaríamos uma lancha e iríamos até o Saco do Sombrio para uma visita, viu Rê? Seus registros fotográficos e textuais naquele início de carreira continuam sendo muito significativos. Assim é um lado pouco conhecido de quem abraça a carreira docente com todo o seu ser. Cada um de nós sempre precisará desses "documentos da linha do tempo" (escritos ou na memória) para se sentir feliz apesar dos descasos por parte do poder público e receber "pancadas" esporadicamente por parte de alguns pais. A Rê é mestra nas anotações dessas "pequenas" alegrias que vão se dando no exercício da profissão e, somadas, dão o sentido à vida que escolhemos. Sendo assim, hoje eu faço questão de publicar seu feliz registro, de dias atrás, quando levou a sua turminha para um dia de vida em seu quintal. Posso dizer com toda certeza: elas jamais esquecerão dessa vivência com a professora Regina.


"Ontem a minha casa foi compartilhada com as crianças e... A alegria de simplesmente ser aquilo que nasceram para ser... Crianças... De repente o encantamento tornou-se realidade! Sem mistério, sem segredos, somente com curiosidade de viver o presente sorrindo, correndo, pulando, comendo, sonhando..."


   Querida Rê e querida companheirada docentes: são essas as nossas maiores alegrias. Nós seguimos em frente porque sabemos que assim vamos aprendendo, exercendo e transmitindo cidadania! Lembrando o mestre Paulo Freire: um mundo novo só é possível com educação libertadora!








sábado, 25 de outubro de 2025

PATRIMÔNIO CULTURAL

 

Arte em casa - Arquivo JRS 

   Os meus clássicos da literatura vão e vêm, como marés. Agora, por exemplo, estou numa maré Saramago. Além de viajar por outras terras, à mente me apresentam outras reflexões, muitas visões de mundo e novas contribuições ao meu ser. Assim se faz e refaz meu espírito, a minha alma inquieta que inquieta continua, marca da minha/nossa humanidade que começou a se formar ainda no ventre da mãe, passou pela comunidade da infância e pelas escolhas que foram feitas. Feliz da pessoa que pode fazer escolhas!

   Hoje acordei pensando em quem produz arte, sobretudo em quem, na minha terra caiçara, sempre produziu artes para o nosso prazer e reflexões. Em minha memória estão compositores, cantores, tocadores, entalhadores, pintores, tecelãs, ceramistas, fotógrafos, artesão das mais variadas vertentes etc. Infelizmente muitas coisas maravilhosas já desapareceram, não foram arquivadas, nem gravadas, muito menos conservadas em acervos públicos. Preciosas obras de artes surgidas nesse chão caiçara de Ubatuba foram condenadas à morte pela indiferença e pelo desmazelo. Pensei muito nisso certa vez que fui ao museu de arte sacra de Taubaté e vi obras do Mestre Bigode, ubatubano da gema. Levei em consideração um pensamento de Saramago ao fazer itinerário semelhante: "A gente não precisa de imagens sacras para orar aos pés delas, mas precisa de que elas sejam defendidas porque são obras do gênio do homem, beleza criada". Recentemente, no espaço do Teatro Municipal de Ubatuba, houve uma mostra do que foi possível arregimentar das obras desse mestre entalhador. Agora, que tal fazer o mesmo empenho nas obras do Da Motta, do Jacó, do Pio e outros?

   O mesmo rumo destas linhas se aplica ao Museu Caiçara, ao Museu Histórico, às ruínas que muita gente nem sabe da existência, às poucas linhas arquitetônicas e urbanísticas desta Ubatuba que atestam um passado interessante, passível de servir ao turismo cultural. Faça um passeio à deriva pela cidade, pelos logradouros, sinta as mensagens de outros tempos e diga convictamente: "Isto tem de ser preservado; aqui merece guia de turismo para a sensibilização das pessoas!".

   Ainda podemos consertar e acertar muitas coisas. Ainda há tempo para mostrar muitas obras da genialidade humana! As mostras que acontecem vez ou outra devem se intensificar! Podemos acertar... podemos errar!

    Nesta direção, preocupado com o acervo de 14 anos (mais de 2.200 textos até este momento), estou pensando em fazer a escolha de alguns textos para publicação. Para tal desafio estou iniciando uma campanha junto ao público leitor. Espero e agradeço por sugestões na seleção e custeio, via e-mail (ronaldo.jrszero@gmail.com)

   "Há horas felizes, há erros que o não são menos" (Saramago)


sexta-feira, 24 de outubro de 2025

ESCURIDÃO DE RESPEITO

Arte em xilogravura - Pita Paiva 


     Bem cedo me pego pensando na mítica Ilha dos Sumidos, citada na obra Canoa Emborcada, do estimado Santiago "Santi" Bernardes. Eu a tomei como espaço de reflexão de temas que não deveríamos descuidar, de lembranças boas e de gente melhor que não podemos apagar da memória. Ela, na minha concepção, se tornou um desafio e, ao mesmo tempo, um lugar para redescobrir e/ou reforçar a mística do povo que se fez entre roçados, pescarias e festejos; um espaço para nutrir nossos espíritos que teimam em evitar que o nosso território se torne um inferno aos seus moradores e visitantes. Por isso, sempre que eu sentir necessidade e inspiração, recorrerei à Ilha dos Esquecidos para pensarmos juntos e agirmos em conjunto. Agora eu trago a reflexão do muito estimado Jorge Ivam em torno da educação pública:

    A escola pública era apresentada como um meio de os jovens da classe trabalhadora ascenderem socialmente. Poucos conseguiam isso, mas havia essa possibilidade, havia um discurso que o estimulava, agora os currículos oficiais nem disfarçam mais o objetivo de manter as injustiças sociais. Para isso, com o pretexto de que os jovens pobres precisam se empregar mais cedo, a escola alija os alunos dos conhecimentos básicos e empurra-os para o mercado de trabalho, no qual, por falta de formação, terão de se conformar em exercer funções desprestigiadas e, portanto, mal-remuneradas. O resultado é que a desigualdade social só aumenta. Outra consequência dessa educação é o indivíduo que a recebeu não ter a mínima noção de que é vítima de um sistema que o faz acreditar que vive em situação precária porque não tem mérito, ou não é tão inteligente quanto aqueles da classe dominante.

    O resultado, as consequências de tal modelo tende a agravar com a tendência conservadora de implantação de escolas cívico-militares, onde a ideologia de defesa dos privilégios de uma mínima parcela da população (sob a denominação de "patriotismo") é marca histórica das instituições  militares (que desejam manter-se na mamata). Uma elite terá sempre a necessidade de gente disposta a dar a própria vida, a tal disposição de "morrer pela Pátria e viver sem razão" cantada pelo poeta. Somando todos esses aspectos, das tendências curriculares ao neofascismo da extrema-direita, essa onda que ameaça inundar as praias com muitas imundícies, prevejo uma escuridão de respeito caso não tomemos posição contrária, se consolidando como força popular.