sexta-feira, 29 de agosto de 2025

MEMÓRIA E MOVIMENTO

 

Borboleta - Arquivo Jair Antônio 

    De vez em sempre me pego pensando em gente e em momentos que se passaram há anos, em contextos diferentes do dias atuais e até mesmo em lugares distantes. Dias atrás, depois de me admirar com umas fotografias do amigo Jair Antônio, dono do restaurante Monte Moriá, em Marmelópolis (MG), me deparei com a amiga Nalva e mais gente numa manifestação defendendo a urgência de um terminal de ônibus urbano digno para a nossa cidade (Ubatuba) e fiquei me recordando de tanta gente boa que já cruzei na caminhada. Para ficar em apenas um exemplo: Vicente, quando estudávamos no início da juventude, certo dia apareceu vestindo uma camiseta com a sigla MeMo na parte da frente. "Ué, que é isso, meu irmão?". Ele se perfilhou, deu uma puxada na roupa e explicou: "É o meu lema a partir de hoje. Significa Memória e Movimento". Percebendo que eu esperava mais detalhes do tal MeMo, ele continuou: "Eu e o Chico decidimos morar juntos, fazer um trabalho de conscientização política e de solidariedade na parte mais pobre de Mauá, onde já está avançado o processo de favelização. Não é possível que as pessoas percam aos poucos até mesmo as condições básicas de sobrevivência e não questionem, não se organizem para resistir a todo tipo de opressão. O primeiro passo já demos, estamos morando no local, nas condições próximas dos moradores de lá. Nesse primeiro momento estamos visitando as famílias para estabelecer amizades e conhecimentos, saber um pouco das histórias de cada um, proporcionar oportunidades para relembrar/reavivar memórias". "Eu entendi bem até este ponto, irmão. Sei o quanto a memória da nossa trajetória de vida é capaz!". "Pois é, meu chapa. Então, a partir dessa etapa, bem dizer se dando logo a seguir, vem o Movimento, a delineação do que precisamos fazer para recuperar a dignidade daquele lugar, das pessoas que ali moram. Daí MeMo - Memória e Movimento". Achei louvável a decisão da dupla, mas muito desafiador. Vivendo de bicos seria muito difícil aos dois, mas me prontifiquei em ajudar de alguma forma. Afinal, um galho sozinho fica fácil de quebrar, mas juntando a outros se torna quase impossível a tarefa, né? Foi assim que eu, de um dia para outro, estava colaborando na estamparia de camisetas que seriam vendidas e formariam o primeiro fundo, o recurso econômico da MeMo em seus desafios. Resumindo a história: Vicente e Chico se tornaram queridos por toda gente dos arredores e ajudaram muito. Não demorou para que a força aumentasse: grupos religiosos diversos entraram na empreitada, novas lideranças políticas ligadas às causas populares se forjaram nas lutas por saneamento, área verde, transporte, saúde, lazer etc. Anos depois aquele bairro na periferia estava com uma cara bem diferente, até escola bem equipada já funcionava para atender a criançada que crescia. Onde foram parar os dois amigos? Chico se casou com alguém dali, continuou no bairro. Vicente partiu para a Amazônia, foi como enfermeiro voluntário numa comunidade ribeirinha bem distante de qualquer cidade, onde a coleta do açaí e a pescaria eram as principais fontes de renda. Nunca mais recebi notícias dele, mas tenho certeza que o princípio da Memória e Movimento jamais o deixará. O mesmo digo do Chico que será um militante contra as injustiças pelo resto da vida que ainda resta. Desejo muita força a esses irmãos e irmãs da utopia na vida plena!


terça-feira, 26 de agosto de 2025

INGRATOS (II)

 

Lago do Maciel - Arquivo JRS 


  Dias desses eu fiz questão de recordar uma lição que aprendi na escola: Ciro, o rei da Pérsia (atual Irã), foi quem libertou os judeus do exílio na Babilônia. Hoje, lendo uma história escrita por Lloyd Llewellyn Jones (Os Persas), quero transcrever algo que pode nos ajudar a entender melhor o assunto:


  Judeus cativos (como todos os outros deportados estrangeiros) estavam livres para voltar para casa. Em 537 a.e.c., mais de 40 mil deles empreenderam o que declararam ser o "segundo Êxodo" e alegremente voltaram a pé para Jerusalém e para a terra que manava leite e mel. É por isso que na Bíblia Hebraica Ciro passou a ser considerado um servo de Yahweh, e o escolhido pelo Deus invisível para libertar da escravidão Seu povo eleito. Assim, os profetas do exílio elogiaram Ciro como instrumento de libertação de Deus. Um profeta que conhecemos como Trito-Isaías (ou Terceiro Isaías) estava especialmente entusiasmado. Registrou o júbilo de Deus por ter encontrado um paladino tão digno:

  "Eis o meu servo, a quem protejo, meu escolhido, em quem me deleito. Eu lhe conferi o meu espírito, e ele fará resplandecer a justiça sobre as nações [...] Eu te tomei pela mão [Ciro], e te formei para que sejas a luz de todos os povos [...]" Assim diz Yahweh a Ciro: "Tu serás meu pastor para cumprir meus desígnios: reconstruir Jerusalém e lançar os alicerces do templo". Assim diz o Senhor a Ciro, seu ungido: a Ciro, cuja mão ele segurou com firmeza para subjugar as nações e destruir os mais poderosos reis.

   Em virtude de sua generosidade com os judeus, Ciro recebeu o título de meshiach - "Messias", "Ungido" ou "Consagrado" -, expressão que os judeus no exílio usavam ao falar de um salvador ou redentor enviado por Deus. Era um título profundamente teológico, que falava da ratificação de Ciro com um rei legítimo, nomeado e protegido por Deus. Nos Salmos, o Ungido é um líder idealizado, semimítico, um guerreiro que Deus defende e protege: "Agora sei que o Senhor salva o seu ungido; ele o ouvirá desde o Seu santo céu, com a força salvadora da sua mão direita".


    Pois é, minha gente: Ciro, um rei significativo para os povos iranianos e judeus! Mas por que fiz questão de relembrar a história? Porque, recentemente, Israel bombardeou o Irã. Só por isso! Nós, caiçaras de tradição cristã, precisamos saber de mais gente que recebeu este título de messias e o interesse no poder aí incluso. São narrativas que podem desencadear forças incríveis, inclusive servir para oprimir ainda mais o oprimido em vez de libertar.

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

CONFORTO CAIÇARA

 

Dormindo - Imagem IA

          O mano  Mingo,  prestes  a  lançar  quatro  livros   de poemas infantis, nos transmite em muitos deles a  simplicidade  dos nossos primeiros anos, na comunidade caiçara;  nos faz pensar um pouco sobre as mudanças no mundo e em nossas vidas.       Corra    para adquirir os seus!


Minha cama de criança

tinha esteiras de taboa

e travesseiros de macela.

Talvez seja por isso que o sono

era tranquilo e revigorante,

ou porque o mundo

já foi mais aconchegante?

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

INGRATOS

 

Sol nascente. Arquivo Clóvis 

       Existe um país longe daqui por nome de Irã, antiga Pérsia. Recentemente nós ficamos sabendo que  outro país, Israel, o atacou e causou mortes e prejuízos materiais. Mas qual a razão? Simplesmente porque a corrente sionista, tendo determinado o fim da Palestina e cheio de maldades com os povos vizinhos, sobretudo com aqueles que nunca aceitaram a imposição de um estado judeu ao preço do extermínio de outro povo que sempre viveu ali, cultiva a meta de dominar toda a área próxima na base do terror. Assim, o "povo eleito de Javé", descumprindo a primeira decisão da ONU de dividir o mesmo território em dois países, servindo como base na região a alguns países mais poderosos, segue cometendo atrocidades e fomentando mais violência na antiga Crescente Fértil e aos herdeiros da Pérsia (iranianos). Ou seja, estão alimentando a indústria da guerra. (Já sabemos que violência gera violência, afasta para bem longe a paz).

   Por que escolhi o título de ingratos para o presente texto? Porque, ainda no ensino fundamental eu aprendi acerca da história bíblica que o povo hebreu (judeus), outrora escravizados/exilados na Babilônia, uns cinco séculos antes da era cristã, foi libertado pelo rei da Pérsia. Melhor dizendo: foi graças a soberanos ancestrais dos iranianos  que os judeus foram libertados de seu exílio babilônico e voltaram para construir, em Jerusalém, um novo templo. Como estão pagando nos dias atuais? Lançando bombas sobre o Irã, a Pérsia de outros tempos! 

   Mais tarde, estudando melhor a História, aprendi que os gregos invejavam enormemente o grande império persa, mas nunca poderiam concorrer com ele. Então...o que fazer? Difamar foi o único recurso (porque a força militar do outro lado era descomunal): "os persas são tiranos, querem esmagar a liberdade exemplar de Atenas e das outras cidades gregas". É esta "versão persa", de invejosos, que não sucumbiu no tempo e chegou à atualidade. Então, recorrendo à atualização desse recurso, muitos de nós têm ojeriza aos iranianos, apoia as covardias impostas a um país bem longe daqui, que praticamente nem conseguem localizar no contexto global. Porém, tal como o povo de Heródoto, de Sócrates e tantos outros, os povos invejosos do tempo presente seguem na mesma lógica: temos de destruir quem compete conosco ou é aliado de nossos competidores. Fato: a China se expande, supera as chamadas potências ocidentais, está competindo na dianteira; o Irã, a Índia, o Brasil, a Rússia, a África do Sul e outros mais estão se aliando aos chineses. Fazer o quê? Declarar guerra a eles, solapar suas bases, impedir alianças que promovam o soerguimento de nações até então espezinhadas. Atacar o Irã e essas tais nações é a ordem prevalecente visando enfraquecer a China. Daí a importância da alienação: "Não importa e nem podemos ensinar às novas gerações que eles (iranianos) nos libertaram do julgo dos babilônios no passado". É a fábula do escorpião matando o sapo depois de ter sido transportado por ele no lago. Ah! Quantas vezes eu vi coisa semelhante no povo caiçara! E ainda continua isto de pobre se aliando com rico para destruir outro pobre! É ou não é?


quinta-feira, 21 de agosto de 2025

A GENTE CONSEGUIRÁ!

 

 

Remador - Arquivo Jairo

    De vez em sempre me pego pensando aonde a humanidade vai parar. De um lado avisto queimadas, de outro rios e mares sendo poluídos. Milhares de pessoas que nunca tiveram chances melhores na sobrevivência rodam o mundo revirando restos, são perseguidos e mortos. A ganância, travestida em bonitos discursos, garante a espoliação da classe trabalhadora. Países que se tornaram poderosos explorando outros países querem continuara fazendo o que sempre fizeram, sem se importar com o conceito de soberania. Parece que uma nova onda de opressão se fortalece seguindo o exemplo do genocídio palestino. "Quem sabe a Venezuela não possa ser outra versão da Faixa de Gaza? Quem sabe se, pela floresta amazônica e usando a alienação das pessoas, a gente não possa dominar o gigante Brasil?". Sim, eu acredito que o mal não é sozinho, é uma legião. 

   A gente conseguirá alcançar a vida, a merecida vida neste planeta? Nesta reflexão. lendo uma obra de ficção científica, um romance de Nicolelis, achei a seguinte animadora passagem:


    "Não se esqueça, somos os herdeiros de um bando de primatas extremamente resilientes. Nossos antepassados cruzaram todo o planeta a pé em menos de cem mil anos para penetrar nichos ecológicos novos mesmo durante o último período glacial (...). Não houve obstáculo que conseguisse impedir que eles continuassem se movendo em busca de melhores condições de vida quando os seus cérebros lhes diziam que estas existiam, lá longe no horizonte ou no desconhecido muito além dele".


    Pois é! Parece que algumas chaves devem ser usadas, servir como recurso para realinhar a nossa existência, ter esta terra como a Mãe Terra. Afinal, conforme disse Ailton Krenak:

      " A gente só existe porque a Terra deixa a gente viver. Ela dá vida pra gente. Não tem outra coisa que dá vida. É por isso que a gente chama ela de Mãe Terra". 


   Portanto, a primeira chave é aprender com as comunidades tradicionais, pois elas garantem vidas nos mais diversos nichos ecológicos.   E seja sempre bem-vinda a frase de Galeano nos momentos difíceis em nossas vidas:

      "A utopia está no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Para que serve a utopia? Serve para isto: para que eu não deixe de caminhar".

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

VALE DO PATY (II)

Proseando - Arquivo Maria Eugênia 


    Fazia tempo que a minha querida filha tinha falado do seu encantamento pelo Vale do Paty, sobretudo da Casa de Pedra. Planejei...planejei...fomos (eu, Maria e Domingos)! Lá no meio da serra, já próximo do distrito de Catuçaba, município de São Luiz do Paraitinga, o amigo Maciel, caiçara do Estaleiro (Ubatumirim), está aos poucos formando o seu território (que é uma porção da Mata Atlântica em meio às imensas plantações de eucaliptos). O nome? Vale do Paty!

    Fui e adorei tudo por lá, sobretudo as prosas com esse caiçara que viveu, como tantos outros, um período da vida em alto mar, se sustentando do trabalho na pescaria, sendo embarcadista na nossa linguagem! Fiquei surpreso quando ele relembrou a convivência na imensa "Família do Estaleiro do Padre", na década de 1970. Fiquei contente em saber que ele havia conhecido a tia Apolônia, a Edilene, a vó Martinha e tantos outros parentes que, de uma forma ou outra, fizeram parte do fantástico projeto do Frei Pio na praia do Ubatumirim. Me perguntei na hora o quanto de nossa gente e visitantes, ao irem na tal "Praia do Estaleiro", sabem ao menos a razão dessa denominação àquele trecho da praia. "Conheci o Odorico, a Serafina, a Anita, o Dito Félix, o Salvador, o Antônio Maior... Conheci a Apolônia porque ela morou um tempo no estaleiro. Minhas irmãs e mais gente de lá aprenderam a costurar, fazer crochê e mais coisas ainda com a Apolônia. Estudei com a Edilene. Nunca eu ia saber que era sua prima! Martinha era sua avó? Ah, eu a conheci mais tarde na Estufa, sempre passava perto de casa, ali na avenida Vasco da Gama, perto da escola. Ela não deixava nunca de parar para um dedo de prosa comigo. Toda essa caiçarada boa eu conheci!".

    Pois é, minha gente! Consegue imaginar o tanto de histórias que esses pescadores de outro tempo têm? "Eu trabalhei no São Rafael. Barco grande que pegava muitas toneladas de pescados. Fui cozinheiro lá, mas acabava fazendo de tudo. Foi muito bom aquele tempo em que vivi embarcado, mas era puxado porque tudo dependia do cardume que fosse aparecendo de dia ou de noite. Depois de abarrotado o porão, a embarcação precisava voltar, descarregar em algum porto. Correria, viu!? Nunca parava de subir cestos do porão para o caminhão!". Prazeroso mesmo é ouvir o Maciel detalhando alguns pratos elaborados conforme a ocasião e o pescado que aparecia: "Já comeram polvo? Então imagina uma panelada de pequenos polvos em alto mar! Vieram na rede e eu caprichei na comida aos camaradas. Foi um sucesso!".  Interessante também saber que os pescadores ansiavam pela volta a algum porto e em fazer amizades: "Em cada lugar que a gente parava, por ocasião qualquer, a gente se enturmava com o povo dali, se divertia. Eu ensinei, numa comunidade de Santa Catarina. As pessoas do lugar, as moças, queriam aprender a fazer tarrafa. Elas aprenderam, me agradeceram demais". 

      Má e Mingo: valeu demais a nossa ida, a nossa visita ao Maciel, né?



sábado, 16 de agosto de 2025

SE TEMOS ALGUM JUÍZO...

 

   

Cerração - Arquivo JRS 

      Manhã fria aguardando a primavera. A cerração parece teimar em impedir o caminho do sol. Ela tenta sempre, mas nunca consegue. O sol é imbatível, incapaz de ser contido. Não é por acaso que os primeiros humanos desenvolveram o sentido, criaram a palavra deus e o tinham como divindade. Dele vem todas as condições para a vida deste nosso planeta. No entanto, por cobiça de alguns, a nossa  Terra, o nosso Brasil está rumando ao despenhadeiro. Acabo de ler a notícia que senadores aprovaram o garimpo em terras indígenas. (Quem você imagina que preservou este território até a invasão dos portugueses?). E você pensa que a Mata Atlântica, o Cerrado, o Pantanal, as nossas praias, os nossos rios, o ar que respiramos etc. deixaram de sofrer importunação? Não mesmo!  Uma onda reacionária de políticos sem nenhum apreço pela vida, com requintes de mais maldades que as anteriores, avança em nosso país e no mundo todo. Uma onda tecnológica "faz a cabeça" de grande multidão desmerecendo respeitos, valores etc. Mentiras e ódio suplantam verdades. Quando iremos acordar, tal como o sol em muitas manhãs no inverno do alto da serra, tendo a coragem de dar um fim na cerração da alienação e das infinitas formas de ataques ao nosso lar (Terra)? Se temos algum juízo sobrando, bem disse Miguel Nicolelis, será melhor ouvi-lo com atenção.

     Um dia o sol se apagará, mas bem antes disso a vida findará neste nosso lar. Deuses e deusas não resistirão ao apagamento do astro solar. Esta Terra é a única! Alguém duvida? Porém, devemos fazer de tudo para adiar esse fim, deter as medidas formuladas em princípios gananciosos (de espoliação das comunidades tradicionais e de exploração sem limites das fontes de vida da nossa mãe maior). Por enquanto, tenhamos apreço pelo deus sol, mas muito mais pela deusa Terra e pelas vidas divinas da qual a nossa pequenez humana é apenas uma delas. Talvez as piores coisas que a humanidade faz seja apenas porque cada divindade posterior apenas tentem suplantar o sol que está na origem da nossa existência e disputem sua absoluta divindade entre si. Talvez... O certo é que ecologia é simplesmente cuidar deste nosso lar, desfrutar - igualmente! - com todos os seres desta energia que vem do sol!