domingo, 31 de julho de 2011

Máximo, o Cine

Vista da cidade de Caraguatatuba
Praia do Canto do Camaroeiro - fotos: Thales Stadler e outros

            O primeiro “cinema de luxo” do Litoral Norte, nomeado de Máximo,  passou a funcionar em Caraguatatuba, na década de 1960. Atualmente, após duas décadas desativado, quando passo defronte ao prédio, sinto uma dor no  coração devido ao seu lastimável estado.
            O Cine Máximo e o Cine Iperoig, este na Praça da Matriz de Ubatuba, se constituiram como espaços culturais e de lazer das gerações de caiçaras.
            Do espaço do Cine Máximo, narro o causo seguinte através da fala do finado Aristeu Quintino, caiçara da Ilha do Tamanduá:
            “Quando inauguraram o cinema em Caraguá, eu já era quase casado. Logo os comentários chegaram na roça, na Praia da Tabatinga, onde eu passei um tempo morando com o titio Barra Seca. Diziam que era uma coisa maravilhosa, onde o  mundo o mundo todo passava na tela de pano da parede. Quem não queria comprovar?!
            Numa ocasião, o tio Olívio e o Teófilo Crispim foram até a cidade com a canoa abarrotada de coisas para negociar. Chegaram no Canto do Camaroeiro, puxaram a canoa até meia praia e venderam tudo que tinham levado. Depois, sabendo de uma sessão que começaria às seis da tarde, os dois adiaram o retorno para assistir a fita. Deram sorte. Estava em exibição Fúria de Titãs. De fato, tudo aquilo era maravilhoso! Os assentos eram macios... as imagens eram quase reais! Foi no momento das grandes ondas provocadas por um monstro que o instinto de pescador falou mais alto: o tio Olívio, assustado com a fúria do mar, puxou o  outro lembrando que a canoa deles tinha ficado quase no lagamar, que nem era preciso onda tão grande para arrastá-la. Saíram correndo; logo estavam no jundu. A surpresa veio então: tudo era uma calmaria, com uma lua brilhante iluminando tudo. O tempo bravo estava na tela. Fazer o quê? O jeito foi voltar para casa desapontados e com uma certa vergonha”.
             É! De fato o cinema era o máximo!

sábado, 30 de julho de 2011

“Malempregado ólhio!”

               
                É conhecida a fama de pão duro, de sovina e usurário do finado João Glorioso, caiçara da Praia do Saco da Ribeira. Eu o conheci, mas somente de vista. Porém, os causos sobre ele são muitos. Até os dias de hoje ainda escuto causos inéditos desse personagem. Na semana passada, o Álvaro assim me descreveu uma situação:

                - Você conheceu o João Glorioso? Sabe do causo dos ovos? Foi assim: depois de comprar dois ovos na venda, se dirigiu para casa a fim de prepará-los como mistura no almoço. Derreteu uma colher pequena de banha na fritadeira; em seguida quebrou os dois ovos. Por azar, um deles estava estragado. Na mesma hora, pegando a fritadeira, foi mostrar ao vendedor o ocorrido. Explicou tudo, mas fez questão de dizer que não era por causa dos dois ovos que tinha ido reclamar. Isso era o de menos! Caro mesmo era o óleo desperdiçado.  O dono da venda não quis saber de mais explicações; logo entregou outros dois ovos. Deve ter pensado assim: com gente assim não adianta dizer nada. João Glorioso ficou satisfeito, mas encerrou o assunto com uma expressão desgostosa:
                “Malempregado ólhio!”

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Brejaúba assombrada



Manoel Hilário, quando já passava dos oitenta anos, afirmou que assombração – ou “coisa ruim” – existe sim. Ele contou assim:
“Numa ocasião, seria agosto ou setembro, eu e o Toninho Manduca saímos para o mato, pra tirar coco brejaúba, aquele de planta repleta de espinhos pontiagudos e compridos, perigoso mesmo! Encontramos uma touceira com alguns cachos bonitos. Estocamos com uma vara, derrubamos alguns cocos para experimentar se estavam bons. Estavam no ponto. Pegamos o facão e usamos uma raiz de figueira para apoiar e cortar os frutos. Nisso escutei um assobio forte, mas bem fininho. Depois escutei mais uma vez e me arrepiei todo. Olhei assustado para o Manduca e perguntei se ele tinha escutado. Ele estava pálido e arrepiado como eu. Então outro assobio começou e se prolongou mais que os outros, e uma voz esquisita ecoou bem próximo de nós. Olhamos para o lado dos coqueiros de brejaúba e vimos uma coisa assombrosa: havia uma figura humana barbuda e cabeluda, bem no meio dos espinhos da touceira. Ora, aquilo é fechado, não tem jeito de gente viva entrar naquele espinheiro. E o assobio, que entrava até na alma da gente? Aquilo só podia ser coisa ruim. Disparamos a correr pra casa largando lá mesmo os cocos, facão e até os chinelos”.
Manoel Hilário terminou a história com os olhos arregalados como se tivesse acabado de ver aquela misteriosa figura.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Vizinhos e História (III)

               
                Os indígenas desta região, da antiga aldeia de Iperoig e de outras do mesmo grupo (Tupinambá), na terceira década do século XVI,  começaram a ser aprisionados para o trabalho escravo nos engenhos da Baixada Santista, mais especificamente nas fazendas de Martim Afonso de Souza, Bráz Cubas e outros. Nesse trabalho, foi fundamental aos portugueses se aliarem aos tupiniquins, inimigos naturais dos primeiros.
                As péssimas condições, que causavam tantos sofrimentos e mortes aos nativos, deram origem ao movimento hoje conhecido como Confederação dos Tamoios. Segundo os historiadores, foi a primeira organização do gênero (resistência aos invasores europeus) em toda a América.
                As aldeias do ramo Tupinambá se uniram primeiro, mas logo convidaram outros grupos. Afinal, eles eram os primeiros da terra, os mais antigos (tamuya). Tinham que lutar por aquilo que era deles, que era garantia de dignidade. De certa forma, podemos dizer que um pequeno grupo de franceses do Rio de Janeiro também dava apoio aos índios nesse propósito. Vale relembrar: não eram somente os portugueses que estavam tão ávidos por lucros sobre estas terras e os moradores daqui.
                Depois de muitas lutas, onde, contra o poder armado dos portugueses, valia muito o conhecimento do espaço físico e a familiaridade com a natureza (principal característica dos indígenas), houve o apelo para a Igreja. Foi quando entraram em cena os padres Anchieta e Nóbrega.
                Na verdade, os padres já tinham certo prestígio junto aos indígenas; tinham conseguido isso se inteirando do mundo mítico dos indígenas (relembro a Terra sem Males) e se aproveitando do assistencialismo que marcou e marca até hoje a sociedade brasileira.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Vizinhos e História (II)


         Na primeira parte fiz questão de ilustrar com xilogravura do próprio livro de Hans Staden, publicado em 1557. Nela podemos colocar uma questão importante, principalmente pelos rumos históricos (ou mentiras?) que dizem respeito à nossa cidade de Ubatuba. Afinal, é evidente que a aldeia, para onde conduziram o artilheiro alemão, está defronte de uma ilha por nome de Ippaun Wasu, ou Ilha Grande. Portanto, é lógico que o território em questão está na Baía de Angra, ou um pouco mais além tendo como referência o nosso município .Desta aldeia era o grande líder Cunhambebe. O texto, ao determinar a distância entre as localidades, também confirma isso no capítulo 40:
         “Cerca de oito dias antes do início da expedição guerreira, chegou um navio francês em um porto, que dista oito milhas de Ubatuba, ao qual os portugueses chamam Rio de Janeiro, e os índios, Niterói. Aí costumam os franceses fazer carregamento de pau-brasil. Vieram num  bote também até a nossa aldeia e compraram dos índios pimenta, macacos e papagaios (...)” .
         Por que será que a nossa Ubatuba (a Outra, ou a aldeia de Iperoig das margens do Rio Ubatuba) buscou se tornar o palco da história de Hans Staden?
         De uma coisa podemos ter certeza: os antigos senhores (e os historiadores) conseguiram em parte os seus propósitos somente porque a cidade teve uma importância econômica muito grande.
         A partir de 1532 (data da fundação de São Vicente), os portugueses começaram a instalar nas terras brasileiras as primeiras fazendas que inauguraram o ciclo da cana-de-açúcar. O território passou a ter importância econômica. Adivinha quem era a mão-de-obra mais barata?
         Você acertou se disse os indígenas.
         Começa o fim do endeusamento dos portugueses.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Vizinhos e História (I)


         Os meus vizinhos Jean e Lucimar, num dia desses, depois de irem a um restaurante no centro da cidade, trouxeram um folheto que citava o alemão Hans Staden e a sua passagem por aqui no século XVI. Acharam ótima a ideia do comerciante (talvez outros pudessem imitar o estabelecimento que através daquela história se divulgava) e deram-me a sugestão de falar um pouco mais sobre esse e tantos outros aspectos da História de Ubatuba.  Então, dentro do espírito deste blog, conforme apresentação na página inicial desde o primeiro incentivo doméstico, estou “pincelando causos e fatos” que permitem entender cada vez mais o universo caiçara.
         Neste território, hoje conhecido como Ubatuba, viviam, na época da invasão portuguesa, francesa, holandesa etc., os índios  Tupinambá que, segundo os historiadores, ocupavam uma faixa de terra desde esta região até a Baía da Guanabara (RJ). Tinham como vizinhos, ao Sul, mais precisamente na Baixada Santista, o grupo Tupiniquim. Ao Norte, na porção dos lagos fluminenses, os limites eram com a nação Goitacaz. Outros vizinhos mais do interior, do planalto: Aimoré, Tremembé, Goianá, Camanducaia etc.
         Todos esses grupos indígenas viviam numa sociedade primitiva, num modelo que não conhecia outro modo de produção que não fosse o de caça e coleta, além da mínima cultura de subsistência. Isso vale dizer que não tinham a preocupação em acumular, em edificar monumentos ou escravizar outros povos para obter riquezas.  
         Os povos indígenas da costa brasileira, por serem de origem Tupi, tinham um mito em comum: a crença numa Terra sem males. Isto prova que todos os seres humanos idealizam uma situação de vida para  justificar a sua existência. É de onde decorrem as divindades, os rituais e a produção cultural que irão possibilitar o acesso ao paraíso sonhado nos primórdios.
         Onde poderia estar a Terra sem males?
         A lógica é simples: se o Sol é o bem maior que os homens têm, aquele que permite a vida para tudo, então é natural cultuá-lo como a suma divindade. Mas onde é a moradia desse deus, a sua casa que é o paraíso? Perseguindo essa busca, os grupos nômades chegaram à margem do grande mar (Atlântico); não havia como avançar mais. Foi o que os fez se fixarem por aqui, mais próximo do deus-Sol a cada manhã. Este é o coroamento das premissas:  assim que deixa a sua casa, ele (Sol) já nos enxerga e nos cumula de bênçãos. Portanto, a casa dele é depois do mar, além do horizonte, num lugar onde as igaras (canoas) não conseguem atingir.
         Era de se esperar que povos com tal mito se tornasse presa fácil dos invasores, dos aventureiros sedentos por lucro fácil, à custa da exploração da posse e do trabalho alheios. Não posso omitir que os sedentos portugueses estavam esfomeados pelas terras que lhes pertenciam antes mesmo de 1500, conforme o Tratado de Tordesilhas assinado em 1494, onde o mundo foi dividido entre as duas nações católicas: Portugal e Espanha.
         Resumindo esta parte: os navegadores, apesar de barbudos, fedidos e em estados físicos lastimáveis após tanto tempo de travessia, eram especiais (representantes da divindade maior) porque vinham do lugar onde o Sol morava.
          Parando por aqui: quem é adorado já é um dominador, controla alguém.

domingo, 24 de julho de 2011

A casa no morro do cemitério



Leovigildo Félix morou com seus pais e irmãos numa casa no morro do cemitério da Maranduba durante alguns anos de sua infância e adolescência. Ali aconteciam algumas coisas estranhas. O local era deserto, mesmo assim o cachorro da casa vivia agitado, parecia que era provocado por alguém.
Ele conta que uma noite sua mãe Martinha resolveu ver o que  atormentava o cachorro que latia como um desesperado: espiou pela janela e viu que ele latia numa bananeira que ficava bem perto da casa. Então chamou um dos filhos: “Chico, vem comigo. Vamos ver o que tá perturbando o cachorro. Deve ser gambá entre as bananeiras”. Enquanto isso o cachorro latia e pulava, rodeando a bananeira. Já tinha arranhado todo o caule da planta e parecia querer pegar alguma coisa que via.
Chegaram perto, olharam bem dando uma volta em torno do lugar e não viram nada. O que tinha ali somente o cachorro estava vendo: “coisa boa não era”. Então dona Martinha chamou o filho para dentro de casa e, quando estava na porta, ela assobiou, chamando o cachorro, que continuava na refrega. Nesse momento, um assobio forte veio como resposta exatamente da bananeira, seguido de outro e mais outro. Aí, ela se benzeu e entrou.