quinta-feira, 13 de abril de 2023

ONDE É A CASA DE RECUPERAÇÃO?

Família - Arte: Maria Eugênia


     Dias atrás eu contei para adolescentes a alegoria da caverna. Você pode conferir no livro VII, em A República, de Platão. Trata-se de uma narrativa (escrita há 2400 anos) acerca de duas verdades: uma, do fundo da caverna, onde as sombras refletidas no fundo do local era a verdade única, a razão do viver das pessoas dali. De repente, um dos membros se liberta, alcança outra verdade que está sob a luz incomparável do Sol, fora da caverna. É um diálogo para refletir acerca de mundo sensível x mundo inteligível, prática x teoria, material x espiritual, aparência x essência etc.

     Esse sujeito evadido da realidade da caverna,  aberto à busca, se encanta com a verdade revelada pela inigualável luz do Sol. E, continuando na história,  por amor ele voltaria a fim de libertar os demais. Mas o que acontece? Ele é recebido como um louco que não reconhece ou não mais se adapta à realidade que eles pensam ser verdadeira: a realidade das sombras. Eles os desprezariam, levariam à morte na primeira oportunidade. Resumindo: trata-se da questão da busca do conhecimento, de deixar o comodismo decorrente das aparências, dos costumes; de fazer revisão de vida no sentido mais amplo possível.

     Vários desses adolescentes, sobretudo do sexo masculino, logo apelaram, tal como os sujeitos do fundo da caverna. Eles se apegam às “verdades” da moda, ditadas pelas redes sociais. Vem à baila aquele papo besta de armas para todos, de morte às populações marginalizadas etc. Na verdade, essas pessoas, por não refletirem, estão fadadas a viverem em função de sombras, em serem superficiais etc. Nem percebem que são partes das populações estigmatizadas pelos donos das riquezas, do poder. Serão alienados, não perceberão que estão envolvidos na narrativa de quem faz o lobby das armas que vem, principalmente, de fornecedores norte-americanos.  Gente assim não se encontra consigo mesmo, não será feliz. Estará acorrentada, mas crê que é livre. E vai escolher líderes que preservem essa miserável aparência, pois é a ignorância que precisa continuar para a servidão da maioria em privilégio de pouquíssima gente. Não percamos esta certeza: é a busca do real que nos permite a realização como seres humanos.

     Nesta manhã, na caminhada rotineira, ocorreu um fato: um jovem portando uma surrada mochila me deteve para perguntar: “Por favor, o senhor sabe onde é a casa de recuperação?”. Não é a primeira vez que isto acontece; trata-se de um ser que quer se libertar de um vício que deixou de dar sentido ao seu viver. A alegoria se atualiza: buscar se libertar é escapar da realidade da caverna. Encarar a luminosidade de buscar a verdade é um grande desafio. Quem consegue olhar de frente o SOL DA RAZÃO?

    Em vez de um desses adolescentes perguntar como eu enfrentaria uma pessoa armada me ameaçando, poderia afirmar o seguinte: “Estou disposto a escapar desse destino injusto que muitas narrativas querem me manter encerrado. O que fazer?”. Afirmo que a razão minha e de colegas é colaborar com essa subida das sombras para a luz exterior. Só a verdade liberta! Convém relembrar Mestre Paulo Freire: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”.

     

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