terça-feira, 27 de outubro de 2020

AÇUCENAS PELOS CAMINHOS

Orquídea da Mata Atlântica (Arquivo JRS)


          Tia Martinha parecia ser muito brava. E era mesmo! Porém, tinha um grande amor pela natureza.  Ela, irmã da tia Aninha e da tia Luíza, gente da Praia Brava, foi casada com o tio Cláudio, irmão do nhonhô Armiro e do tio Maneco. Já era viúva desde a minha primeira lembrança dela. Sozinha labutava na roça com perseverança. Nós sempre avistávamos ela, em momentos diferentes do dia, passando com alguma ferramenta (machado, foice...) em direção às plantações ou voltando delas.  Na sua  velha moradia, no pé do morro, tive as primeiras aulas, aprendi das letras e números. Era a nossa escola! Lugar cheio de árvores com orquídeas diversas. Uma enorme goiabeira, no início do ano, era onde se ajuntava mais crianças no momento do recreio. Chão prazeroso, onde foi bem alimentado o meu ser social. Todos eram parentes naquele espaço. Da minha casa, somente eu e a mana Ana estudamos ali. Boas lembranças.

          Ontem avistei uma açucena laranja, igual aqueles que a tia Martinha tanto adorava. Numa ocasião, estando por perto dela que mexia na terra, fui chamado: "Zezinho, venha cá. Você consegue carregar este balaio? São mudas de açucena. Vamos plantar comigo?". Eu, que era de pouca fala, somente balancei a cabeça e já fui erguendo o balaio, seguindo ela que andava vagarosamente. De pouco em pouco parava, carpia um espaço, cavava e deixava uma muda. Não demorou muito para o balaio ser esvaziado. "Pronto. Terminamos. Agora você pode trazer água da bica e regar elas. No ano que vem, você vai ver, teremos mais flores por aí tudo. Deus te abençoe, menino".

 
                       Hoje, na madrugada, me recordei desse momento distante, sendo convidado a plantar flores com a titia. Pensei nos caminhos de servidão dos caiçaras onde, no tempo certo, as açucenas laranjas despertam atenções. Me dou conta que provavelmente foram plantadas há muito tempo, por pessoas sensíveis como a tia Martinha e tantas outras que alimentaram o meu ser social desde a infância.  Precisamos plantar e semear se desejamos flores e caminhos arborizados sempre. Devemos prosseguir nos exemplos de tanta gente que já se foi, mas que permanecem na satisfação que sentimos em nossas andanças pelos caminhos caiçaras. Alguém duvida disso?

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