quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

RABO PRESO NOS AGUDÁS


Livro Agudás - ilustração

        É dando maior importância a determinados aspectos, coisas que lhe convém, que cada indivíduo se compõe em grupos sociais, em instituições que com o tempo se fortalecem e se sobrepõem a outros indivíduos e grupos, podendo até escravizar populações inteiras.  

         Do lado paterno, eu descendo de Estevan Félix, da Caçandoca, filho de Francisco Félix (vitimado pela gripe espanhola no início do século XX). Diziam que seu bisavô casou-se com uma caapora, ou seja, uma índia aprisionada nas matas. Portanto, a história mais remota diz que a nossa origem está em uma caapora. Ainda: os Félix, de Ubatuba, são da linhagem de três irmãos que vieram da Bahia: um fixou moradia no Rio Escuro, outro no Sertão da Quina, e o terceiro na Caçandoca, onde também nasceu meu pai e seus ascendentes.

         Lendo a obra de Milton Guran – Agudás – achei passagens interessantes, que podem até ter relação com os Félix que vieram, ainda no século XIX, parar no nosso município. A palavra agudá vem, provavelmente, da transformação da palavra ajuda, nome português da cidade de Uidá, no Benin (África), por causa do forte português da referida cidade, chamado de Forte São João Baptista da Ajuda, construído em 1680 por Bernardino Freire de Andrade, governador de São Tomé e Príncipe.

          Em francês, a língua corrente no atual Benin, os agudás são chamados e se autodenominam simplesmente por “brésiliens”. A maior parte dentre eles, sem dúvida, é constituída por descendentes de traficantes ou de comerciantes brasileiros ou portugueses estabelecidos nesta costa, ou ainda, por descendentes de antigos escravos retornados do Brasil.

           A importância política da presença brasileira na região desde o começo do culo XIX, com o retorno dos antigos escravos do Brasil, em consequência da deportação de centenas de participantes da grande revolta [dos Malês] de 1835 na Bahia, pode ser convenientemente ilustrada pelo papel desempenhado por dom Francisco Félix de Souza, o todo poderoso Chachá, traficante baiano, nascido em 1754, filho de pai português e mãe indígena, uma caapora. Ele exerceu imenso poder sobre toda a Costa dos Escravos na primeira metade do século XIX.

        Prova irrefutável do prestígio e da importância política de Francisco Félix de Souza no reino do Daomé foram as homenagens a ele prestados pelo rei Guezô ocasião de sua morte, aos 94 anos de idade. Tão logo recebeu a notícia do falecimento do seu amigo, ocorrido em oito de maio de 1849, Guezô enviou a Uidá dois de seus filhos, à frente de um destacamento de oitenta amazonas, para realizar as cerimônias tradicionais que duraram vários meses. Caso você vá ao Benin, visite o "Quartier Brésil", local onde até hoje prevalece a influência direta dos descendentes dos sessenta e três filhos reconhecidos e batizados desse brasileiro do passado. Enfim, essa história de pai português e mãe indígena pode ser a mesma da caapora que é parte de mim herdada dos Félix. Meu pai? Leovigildo Félix dos Santos!

       Tio Chico Félix, nos desvarios da “mardita branquinha”, dizia assim: “Os nossos antigos têm rabo preso no contrabando de pretos das terras distantes da África”. É, pode ser mesmo!

Em tempo: os agudás, os “brésiliens” são, hoje, 5% da população beninense.

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