domingo, 30 de abril de 2017

CERTIDÃO DE NASCIMENTO

Capa do folheto 500 anos (Arquivo JRS)


               Neste dia, 1ºde maio, além de celebrarmos todas as lutas e conquistas da classe trabalhadora, comemoramos o nascimento oficial do Brasil. Ou seja, foi nesta data, em 1500, que Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei de Portugal (D. Manuel I) a respeito do achamento desta terra e de suas características. Por isso, selecionei algumas passagens desse documento, reforçando que nós, caiçaras, estamos desde então presentes e numa constante re-construção neste chão.

                    Senhor:
               Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que para o bem contar e falar – o saiba pior que todos fazer.
               Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.
               A partida de Belém [porto de Lisboa], como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de março [...] E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas da Páscoa, que foram 21 dias de abril ... [...] Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras terras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs o nome – o MONTE PASCOAL e à terra – a TERRA DA VERA CRUZ.

            Ao desembarcarem:
           O Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho [...] E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali haviam dezoito ou vinte homens.  Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.

               Descrição das pessoas que acharam esta terra antes dos portugueses:
               A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas, e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Trazem os beiços furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros [...]. São encaixados de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber. Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas.

                   Querendo saber mais dos habitantes:
               Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram lhe um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram com que espantados.
               Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como que dizendo que daria ouro por aquilo.

               Lógico que a carta não poderia deixar de citar as mulheres! Se encantaram!
               Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos e pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. [...] E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem-feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhes tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela.

                       Era preciso rezar diante disso tudo:
               Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão de ouvir a missa e pregação naquele ilhéu. [...] E ali com todos nós outros fez dizer a missa, a qual foi dita pelo padre frei Henrique [...] e ouvida por todos com muito prazer e devoção.

               Seguiriam para as Índias, mas deixariam dois degredados [excluídos da sociedade portuguesa] para obterem mais informações na convivência por tempo indeterminado:
               Muito melhor informação da terra dariam dois homens destes degredados que aqui deixassem.

               Mas todo mundo queria se deslumbrar um pouco mais antes de prosseguir a viagem:
               Alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. Alguns aguardavam; outros afastavam-se. Era, porém, a coisa de maneira que todos andavam misturados. Eles ofereciam desses arcos com suas setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que lhe davam.

                 Outros detalhes da terra:
               Andamos por aí vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa. Ao longo dela há muitas palmas, não mui altas, em que há muito bons palmitos.  Colhemos e comemos deles muitos.
               Foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitânia. Eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma peça só, sem nenhum repartimento, tinham dentro muitos esteios; e, de esteio em esteio, uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam. Debaixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, e outra no outro.

               Desde o começo os primeiros habitantes eram prestativos, queriam agradar:
               Depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos; e misturaram-se tanto conosco que alguns nos ajudavam a acarretar lenha e meter nos batéis.

                     Tinham interesse por novidades:
               Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E, creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro [...] porque eles não têm coisas que de ferro seja, e cortam suas madeiras e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas. E era já a conversação deles conosco tanta, que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer.

                      Outras possibilidades:
               Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença. [...] Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.

               A mandioca ainda não lhes foi apresentada. Deram-lhe um nome que conheciam de outras paragens:
               Eles não lavram, nem criam [...] Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam.

              Mais gente queria ficar na terra:
               Creio, Senhor, que com estes dois degredados ficam mais dois grumetes, que esta noite se saíram dessa nau de esquife, fugidos para a terra. Não vieram mais. E cremos que ficarão aqui, porque de manhã, prazendo a deus, fazemos daqui a nossa partida.

                Enfim...
               Não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro [...] Porém, a terra  em si é de muito bons ares, assim frios e temperados [...] Águas são muitas.

               Ah! Ia me esquecendo! Antes de finalizar a Certidão de Nascimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha pede um favor político: 
               E pois que, Senhor, é certo que, assim  neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge Osório meu genro – o que d’Ela receberei em muita mercê. ObservaçãoPara ser deixado numa ilha, o genro não devia ser boa coisa, mas com apadrinhamento político se consegue muita coisa. E continua sendo assim até hoje!

            Beijo as mãos de Vossa Alteza.
           Desse Porto Seguro, da vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro de maio de 1500.


               

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