Tio Neco, o "cozinheiro francês" da Vó Martinha. (Arquivo JRS) |
Adoro
histórias! Adoro escutar pessoas relembrando fatos de suas vidas e da
nossa terra! Por estes dias, como sempre faço, passei
parte de uma manhã de sábado escutando o Tio Neco. Impressionante as suas
recordações! Espero que, aos 68 anos, eu também seja privilegiado assim!
“No ano de
1971, logo após o término da obra do Fórum de Caraguatatuba, a firma em que eu
estava registrado partiu para a construção da escola 'Capitão Deolindo', o primeiro colégio de Ubatuba, bem no centro da
cidade.
A firma era A. Carvalho Construtora e Comércio Ltda.
No interior paulista, se não me engano na cidade de Pederneiras, ela se
mantinha no ramo açucareiro. A obra era
imensa, com dois blocos e uma caixa d’água sendo construídos simultaneamente.
Porém, a caixa d’água, por ser prioridade, logo estava pronta. Eu dormia lá em
cima, subia por uma escada rapidamente e lá me acomodava e descansava
sossegado, deixando o barraco para os outros. A única companhia naquela altura
era uma coruja branca, a suindara que também se
alojava por lá. 'Ela ficava arengando um pouco, puxando conversa comigo, mas logo via que eu estava cansado e desistia da prosa'.
Entre os dois
blocos havia uma interligação, com uma ampla sala em cada nível e uma escadaria.
Foi próximo do centro da escadaria que ocorreu o acidente com o Seo Antônio
Canabrava. Ele estava, logo depois de um tempo chuvoso, no ponto mais alto, na
cumeeira, montando um andaime para encher a caixaria das vigas, com pontaletes
e tábuas. Foi daquela altura que ele escorregou. Seo Antônio era pernambucano,
carpinteiro de forma, boa pessoa e bom profissional. A sua esposa era daqui
mesmo, do Ubatumirim. Seus filhos eram: Rosa, Luiz... Após o acidente foi
levado para o hospital em Taubaté, onde permaneceu internado por certo tempo. Depois foi trazido para casa, mas não demorou muito para falecer. Nós todos sentimos
muito.
Finalizado o
concreto da primeira laje, percebemos que o primeiro bloco, paralelo à rua
Gastão Madeira, apresentava 10 centímetros em desnível no comprimento. Como
corrigir? O encarregado, o Seo Guido Rossi, resolveu fazer o seguinte:
encheu toda a diferença com areia seca e cobriu com concreto. Foram vários
caminhões de areia! Conforme o concreto foi secando, tudo foi trincando.
Resumindo: tudo se perdeu. Tudo foi refeito. Foi um prejuízo enorme! Desconfio
que a construtora teve que pagar.
Alguns nomes,
além do Seo Antônio Canabrava, companheiros na construção do ‘Deolindo’, que me
lembro: Zequinha, Roquinho, Moacir, Antônio Gertrudes, Mané Amorim, Tião
Amorim, Zé Benedito (irmão do Antônio Pereira), Luiz (filho do Antônio
Gertrudes), Socó, Baduca, Duga, Zé Januário... Luiz Carlos era o motorista da
firma.
O material, a
areia vinha dos portos de areia que tinha por aqui mesmo; a pedra britada era
buscada numa usina do bairro São Francisco, em São Sebastião. Numa ocasião o
caminhão, da marca MERCEDES, depois de ser carregado com a pedra, quebrou na saída da usina.
Tivemos que ir com outro caminhão prestar socorro: passamos parte da carga e o
rebocamos até a uma oficina em Caraguá. Com fome e pouco dinheiro, decidimos
comprar um litro de cachaça para enganar a fome. Chegamos em Ubatuba, na obra,
já estava escurecendo. Só no dia seguinte é que descarregamos o caminhão. Foi
quando um colega olhou para o veículo e disse: ‘Mercedes dá muita despesa. Eu tive sorte: a minha Mercedes nunca deu
problema, só espanou um pouco a ponta do eixo!’.
Em 1972 nós
entregamos a obra. Creio que as aulas no novo prédio só começaram em 1973. Ah,
ia me esquecendo! Ao final da obra a firma faliu, dando um calote no Bananinha, o comerciante que forneceu
toda a tinta para finalizar a obra da escola”.
E assim vou
fazendo de tudo para registrar as incontáveis experiências que vou escutando,
pois desconfio que mesmo que estivessem em arquivos, elas já seriam esquecidas.
Obrigado, Tio Neco.
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