segunda-feira, 15 de agosto de 2016

SÓ ESPANOU UM POUCO A PONTA DO EIXO

Tio Neco, o "cozinheiro francês" da Vó Martinha. (Arquivo JRS)



          Adoro histórias! Adoro escutar pessoas relembrando fatos de suas vidas e da nossa  terra! Por estes dias, como sempre faço, passei parte de uma manhã de sábado escutando o Tio Neco. Impressionante as suas recordações! Espero que, aos 68 anos, eu também seja privilegiado assim!

          “No ano de 1971, logo após o término da obra do Fórum de Caraguatatuba, a firma em que eu estava registrado partiu para a construção da escola 'Capitão Deolindo', o primeiro colégio de Ubatuba, bem no centro da cidade.

          A firma era A. Carvalho Construtora e Comércio Ltda. No interior paulista, se não me engano na cidade de Pederneiras, ela se mantinha no ramo açucareiro. A obra era imensa, com dois blocos e uma caixa d’água sendo construídos simultaneamente. Porém, a caixa d’água, por ser prioridade, logo estava pronta. Eu dormia lá em cima, subia por uma escada rapidamente e lá me acomodava e descansava sossegado, deixando o barraco para os outros. A única companhia naquela altura era uma coruja branca, a suindara que também se alojava por lá. 'Ela ficava arengando um pouco, puxando conversa comigo, mas logo via que eu estava cansado e desistia da prosa'.

          Entre os dois blocos havia uma interligação, com uma ampla sala em cada nível e uma escadaria. Foi próximo do centro da escadaria que ocorreu o acidente com o Seo Antônio Canabrava. Ele estava, logo depois de um tempo chuvoso, no ponto mais alto, na cumeeira, montando um andaime para encher a caixaria das vigas, com pontaletes e tábuas. Foi daquela altura que ele escorregou. Seo Antônio era pernambucano, carpinteiro de forma, boa pessoa e bom profissional. A sua esposa era daqui mesmo, do Ubatumirim. Seus filhos eram: Rosa, Luiz... Após o acidente foi levado para o hospital em Taubaté, onde permaneceu internado por certo tempo. Depois foi trazido para casa, mas não demorou muito para falecer. Nós todos sentimos muito.

          Finalizado o concreto da primeira laje, percebemos que o primeiro bloco, paralelo à rua Gastão Madeira, apresentava 10 centímetros em desnível no comprimento. Como corrigir? O encarregado, o Seo Guido Rossi, resolveu fazer o seguinte: encheu toda a diferença com areia seca e cobriu com concreto. Foram vários caminhões de areia! Conforme o concreto foi secando, tudo foi trincando. Resumindo: tudo se perdeu. Tudo foi refeito. Foi um prejuízo enorme! Desconfio que a construtora teve que pagar.

       Alguns nomes, além do Seo Antônio Canabrava, companheiros na construção do ‘Deolindo’, que me lembro: Zequinha, Roquinho, Moacir, Antônio Gertrudes, Mané Amorim, Tião Amorim, Zé Benedito (irmão do Antônio Pereira), Luiz (filho do Antônio Gertrudes), Socó, Baduca, Duga, Zé Januário... Luiz Carlos era o motorista da firma.
          O material, a areia vinha dos portos de areia que tinha por aqui mesmo; a pedra britada era buscada numa usina do bairro São Francisco, em São Sebastião. Numa ocasião o caminhão, da marca MERCEDES, depois de ser carregado com a pedra, quebrou na saída da usina. Tivemos que ir com outro caminhão prestar socorro: passamos parte da carga e o rebocamos até a uma oficina em Caraguá. Com fome e pouco dinheiro, decidimos comprar um litro de cachaça para enganar a fome. Chegamos em Ubatuba, na obra, já estava escurecendo. Só no dia seguinte é que descarregamos o caminhão. Foi quando um colega olhou para o veículo e disse: ‘Mercedes dá muita despesa. Eu tive sorte: a minha Mercedes nunca deu problema, só espanou um pouco a ponta do eixo!’.

          Em 1972 nós entregamos a obra. Creio que as aulas no novo prédio só começaram em 1973. Ah, ia me esquecendo! Ao final da obra a firma faliu, dando um calote no Bananinha, o comerciante que forneceu toda a tinta para finalizar a obra da escola”.


          E assim vou fazendo de tudo para registrar as incontáveis experiências que vou escutando, pois desconfio que mesmo que estivessem em arquivos, elas já seriam esquecidas. Obrigado, Tio Neco.

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