terça-feira, 27 de maio de 2014

HORA DA COBRA MAMAR

Linda natureza! (Arquivo JRS)


Há muitos séculos que os caipiras se relacionam muito bem com os caiçaras. Assim dizia a finada tia Astrogilda: “O caipira á caiçara do mato”.  Eu acho até que eles, mesmo tendo subido a serra, jamais perderam esse vínculo com a beira do mar. No tempo dos meus avós, bisavós etc., eles desciam com cargas de queijo, farinha de milho, fumo de rolo e outros produtos da “Serra Acima”. Depois retornavam com seus jacás (enormes cestos de taquaruçu) repletos de peixe seco, “cortes de fazenda”, querosene e sal. 
Na minha infância, conheci vários caipiras que vinham trabalhar nos roçados do vovô Armiro. Eram esforçados, não gostavam de banho e contavam boas histórias ao anoitecer, depois do jantar. Como era bom ouvir suas narrativas!
José Sibi era um desses caipiras que eu muito admirava. Suas histórias eram encabulantes. Uma delas falava de uma cascavel que existia nos pastos da Vargem Grande, o seu lugar,onde continuava morando toda a sua família. “Se a minha mulher estivesse aqui, confirmaria o que vou contar. O caso se deu na propriedade do compadre Pedro Santana. O pessoal da fazenda notou que uma boa vaca leiteira de repente estava secando, sem ânimo até mesmo para pastar. Quiseram matar a coitada pensando que se empesteara. Logo cedo, bem antes do dia clarear, ela deixava o estábulo e saía morro acima, como se fosse pastar. Estava normal. Porém, quando aparecia depois de horas, era um desânimo só. 
Sem querer, numa das manhãs, um menino fez o comentário que aquela vaca vivia encostada num dos cupinzeiros, perto da grota, de onde vinha a bica que trazia água para o terreiro. No dia seguinte eu mesmo fui verificar se era verdade o que foi dito. Era mesmo! Lá estava a vaca Mococa, parecia até se coçar na pedra de barro seco feito pelos cupins. Fui chegando perto...chegando perto...E vi! Uma enorme cascavel estava grudada na teta da vaca. E mamava! Não demorou muito para o imenso volume das tetas se esvaziar. Dali a pouco, o bicho se enfiou novamente no cupinzeiro e a vaca desceu para perto da casa do sítio, totalmente desanimada. Contei o caso para o compadre e mais dois ajudantes. Na mesma hora, juntando enxadão e picareta, fomos ao local, derrubamos o duro barro e acertamos a danada da cascavel. Estava redonda de tanto leite! Custou um tempo para aquela vaca se acostumar sem a cobra mamando do seu leite a cada manhã. Ela sentia falta da hora da cobra mamar”.
Passou tempo...Passou tempo...Numa dessas tardes, estando na roça com o Caetano, plantando inhame, comentei o causo do Zé Sibi, da tal cobra que mamava na vaca. Ele não se admirou nada. Só acrescentou mais este fato:
“Ah! É isso mesmo, Zé! Comigo também aconteceu um causo quase igual. Foi no tempo eu que eu fazia carreto com um caminhão. Tinha viagem pra todo quanto é lado!
Numa ocasião, alguém que trabalhava com jardinagem me encomendou uma viagem de esterco de gado. Aqui perto, chegando no Monte Valério, o João Bianchi criava umas quarenta vacas. Naquele tempo, ele fornecia leite para a cidade. Foi na propriedade dele que eu fui buscar a tal carga. 
O rancho onde os animais dormiam era no pé do morro, quase encostado no barranco. Encostei o caminhão, cumprimentei o pessoal que trabalhava com o Bianchi. Logo eles me alertaram para não chegar perto do córrego porque tinha uma enorme jaracuçu que morava por ali. Eles não tinham coragem de matar. Ah! Na hora eu peguei um caibro de peroba largado no chão e fui procurando  a danada da cobra. Não demorou muito para achar a bitela. Era uma senhora cobra! Tinha quase dois metros! Daquelas de papo amarelo! Mirei na cabeça e desci o porrete com toda força deste braço magro. Ela morreu na primeira. Em seguida, puxei a danada com um gancho de moirão. Assim que larguei o bicho no chão, aí veio a admiração de todos: de dentro dela foi se esparramando um leite fresquinho. Foi quando o encarregado disse que só podia ser da vaca Amarela. Ela sempre estava seca, não tinha leite nenhum. Por isso eu digo que é verdade mesmo: cobra mama em vaca!”.

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