quarta-feira, 26 de março de 2014

SER CAIÇARA (II)

Tia Baía, liderança caiçara na comunidade do Puruba (Arquivo JRS)


      Prosseguindo na contribuição do Diegues, um caiçara de Iguape que galgou os altos postos na Universidade de São Paulo, acrescento agora mais uma dose reflexiva ao nosso ser caiçara.

     Uma das ameaças a essas comunidades caiçaras e ao exercício de suas atividades tradicionais provém do avanço da especulação imobiliária, iniciada na década de 1950 e 1960, sobretudo com a construção de residências secundárias ao longo do litoral. A especulação imobiliária privou grande parte dos caiçaras de suas posses nas praias, obrigando-os tanto a trabalhar como caseiros e pedreiros, quanto a se mudar para longe do local de trabalho, dificultando as atividades pesqueiras. Além disso, o turismo de massa, sobretudo no litoral norte do Estado de São Paulo, contribuiu para a desorganização das atividades tradicionais, criando uma nova estação ou safra nos meses do verão, quando muitos caiçaras se transformam em prestadores de serviços.

       Outro processo responsável pela desorganização da cultura caiçara é o fato de grande parte de seu território ter se transformado em áreas naturais protegidas. A modificação do espaço de reprodução material e social para parques e reservas naturais resultou em graves limitações às atividades tradicionais de agricultura itinerante, caça, pesca e extrativismo. Emergiram assim, conflitos com os administradores das unidades de conservação, além de uma migração ainda maior para as áreas urbanas, onde os caiçaras, expulsos de seus territórios, passaram a viver em verdadeiras favelas, fadados ao desemprego e ao subemprego.

       Essas contínuas agressões à cultura e  ao modo de viver caiçara não aconteceram sem alguma reação dessas comunidades. A partir da década de 1980, quando a pressão dos órgãos governamentais ambientalistas sobre as comunidades caiçaras se fez maior, várias organizações não-governamentais e institutos de pesquisa passaram a apoiá-las no esforço para permanecerem em seus territórios. Começaram a surgir em alguns locais associações de moradores, as quais se fizeram ouvir em reuniões governamentais e congressos, dando inicio a um processo de reafirmação da identidade caiçara, abafada por décadas de discriminação por parte das autoridades e das elites urbanas interessadas na expropriação de suas terras.

     As iniciativas na área ambiental, caracterizadas por pesquisas inovadoras, partiam do pressuposto que os caiçaras não eram adversários da conservação, mas seus aliados, e constataram a existência de grande cabedal de conhecimento acumulado sobre a biodiversidade na floresta e no mar e de engenhosos sistemas tradicionais de manejo.

   Os meios de comunicação também descobriram a importância da cultura caiçara. e veicularam em emissoras de televisão, particularmente na TV Cultura (São Paulo) e na TVE (Rio de Janeiro), programas sobre vários aspectos do modo de vida dessa população.  Também na área especificamente cultural, deve-se destacar o papel de algumas prefeituras (com a criação de centros de cultura) e de organizações não-governamentais.

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