terça-feira, 9 de agosto de 2011

Príncipe das Astúrias

Fragata - Arquivo JRS

Entre Santa Rita e Enseada está a Boa Vista - Cortesia: Peter Alemão


Antônio Julião, do Perequê-mirim, adorava contar histórias de muito antigamente, de um tempo que nem era do pai e dos avós dele. O seu lugar predileto era no jundu, ao lado do rancho de canoa do Pedro Cabral, onde havia uma amendoeira frondosa que nos acomodava em suas raízes nos serões, quando o sol deixava a terra do nosso lugar para ir aquecer outras paragens. Esse era o lugar e o momento de escutá-lo atentamente, além de um  ou outro dos tantos contadores de causos.
Hoje, no silêncio da madrugada quebrado pelo vento sudoeste, lembrei- me de quando escutei sobre o naufrágio do navio conhecido como Príncipe das Astúrias. Parece que estou ouvindo o Antônio Julião, torcedor santista de coração, dizer emocionado:
“Muitas das coisas que eu conto a vocês são coisas que o meu pai contou que ouviu de seu pai, que tinha ouvido dos mais antigos. Agora, o que eu conto agora é do tempo do meu pai. A casa da gente era ali, na Santa Rita. Depois da nossa roça de mandioca era a costeira da Bela Vista. Trata-se da história de sofrimento de muitas pessoas depois que o navio deles, próximo da Ilhabela, bateu num parcel e afundou. Era espanhol, com nome de Príncipe das Astúrias. Os caiçaras daquelas pontas de costeiras testemunharam o momento: a lua cheia iluminava, mas a borrasca quase não deixava ver nada. Dizem que era capitão novo, de primeira viagem. Deve ter se desesperado quando as pedras craquentas da Pirabura moeram as vigas do costado e o chão deles sumiu rapidamente nas águas". Naquele momento os mais velhos dos presentes se benzeram e viraram o rosto para o outro lado. E Seo Antônio continuou: "Não havia nada o que fazer porque o parcel estava longe, ventava forte junto com a água fria de agosto.  Só no clarear do dia poderiam avaliar melhor  a situação".
"No outro dia amanheceu tempo pior: o vento estava mais forte, o vento engrossou e a chuva forte tornara todo o mar barrento. Nenhum corpo; nada por perto dizia que alguma coisa tão horrível tivesse ocorrido. Passou. Só mais tarde, tempo depois, as notícias: os corpos e outros sinais da embarcação foram trazidos pela correnteza para a nossa terra. Só na costeira da Bela Vista, do lado de fora da Praia da Santa Rita, quase cinquenta corpos foram recolhidos e lá mesmo estão sepultados. Desde esse tempo as pessoas dizem que aquele lugar é mal assombrado".
(Em tempo: o acidente ocorreu 06/03/1916)

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