sexta-feira, 25 de março de 2011

Uma caapora é parte de mim

Devo a inspiração deste ao amigo Jorge Ivam, de um presente dele. Trata-se de uma poesia de Demóstenes Cristino que serve para rememorar, nas minhas raízes, o meu lado tupinambá.

                   
   
       




                        Eu tenho um bugre dentro de mim, tenho...
                        Sinto-o nesta paixão antiga por caçadas,
                        No prazer infantil de andar no mato,
                        Na profunda afeição pelas coisas agrestes.

            É muito gratificante aprender com o senso comum, com as ciências, com a filosofia... Mais prazeroso é aprender com as artes, com a poesia que diz aquilo que sentimos, mas que ainda não aprendemos a dizer.
            As palavras inspiradas, na referida poesia, são como oráculos rememorando a pureza dos primórdios étnicos, os compromissos decorrentes disso, as percepções do espírito caiçara.

                        Eu tenho um bugre dentro de mim,
                        Diluído no meu sangue, tenho...
                        Sinto que ele me arrasta
                        Para a fragrância balsâmica das matas,
                        Para a música das cachoeiras,
                        Para as noites leitosas de luar,
                        Para a majestade serena dos grandes rios,
                        Para o marulhar cantante dos regatos,
                        Para o verde dos mares,
                        Para o azul dos céus,
                       Para o silêncio repousante dos lagos adormecidos...

            O meu avô Estevan, da Caçandoca, filho de Francisco Félix (vitimado pela gripe espanhola no início do século XX), dizia que seu bisavô casou-se com uma caapora, ou seja, uma índia aprisionada nas matas da Serra da Ponta Aguda.
            Caapora era o bugre. É o nosso lado indígena que nos revelou o boitatá nas noites maravilhosas de nossas praias como se alertasse para a pesca predatória. É a nossa porção indígena que nos convida a ver a Mãe-do-ouro deslocando-se sobre a mata, servindo como baliza ambiental (para respeitar esta mata como um todo interdependente em todas as vidas e fenômenos que compõem a Serra do Mar). Já a Iara, a mãe-d’água, regia os lagos e os rios, inclusive as alterações de percursos. A sua justiça resultava em fartura de camarões, sururus, piabas, cágados, muçuns... Dava satisfação ver balaios, covos e cercos abarrotados. Encher puçás na arrebentação das ondas. É de se imaginar?!
           É, ainda, a herança caapora da cultura caiçara que recomenda: a cada noite deve se sonhar sonhos bons para dar novos passos no dia seguinte.
            Encerro este com a lembrança de uma fala do Silvio (Nenê) Fonseca: “Eu acho que nasci em tempo errado. O que eu gosto são as lembranças de outros tempos, diferentes das de hoje”.

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