sábado, 19 de março de 2011

Escola de caiçaras

Resolvi escrever este texto depois de uma matéria publicada pelo Emílio Campi sobre a escola da Maranduba, nos idos tempos do governo de Getúlio Vargas (ou entre as décadas de 1930 e 1950). Parabéns pelo registro do fato e pela publicação das fotos da época! Porém, com base nos causos que já ouvi, tenho algumas coisas a acrescentar. A contribuição vem de ex-alunos daquele tempo, quando o professor Lauristano, um homem enérgico, muito bravo, talvez até um pouco descontrolado, marcou presença na vida simples dos caiçaras. Foi numa roda de jundu que eu ouvi o tio Chico Félix, o Leovigildo (meu pai), o Otávio Conceição, o Décio, o Tonico, o seu pai Dioclécio e outros que já não posso afirmar com tanta certeza.
                O assunto fez parte de uma prosa no jundu; era nos “anos de chumbo”, quando os militares já tinham assumido o Brasil com toda a força. A conversa, depois do lance de gonguito na rede do João Zacarias, onde o pano da rede só ficou livre – e quase todo estragado depois de cinco horas de intenso trabalho!  ̶  era sobre escola. Eles lembravam muitas coisas. Uma delas, ocorrida antes da abertura da estrada para Caraguatatuba (1952), tratava-se da mudança da escola: da casa do tio Basílio do Prado, próximo do Chico Romão, no começo do morro do cemitério, foi transferida para a casa da tia Brandina, que ficava quase no meio da praia, no jundu da Maranduba, onde se encontrava com o rio.
                – Lá tinha uma mangueira. Recordava um deles.
̶  Ainda tem!  Os demais exclamaram.   
Bem ao meu lado explicou o papai:  
̶  O dia da mudança foi em dia de maré baixa; tudo teve que ser carregado por nós. Num dia assim, assim como ainda é hoje, a boca da barra ficava rasa, passava-se com água pela cintura.
                ̶ É mesmo! Emendou o Otávio – Aquelas carteiras de ferro eram pesadas, mas nós levamos todas! Até a talha de guardar água de beber foi.
                Nisso saiu um trocadilho de alguém da turma:
                ̶  É água potável, ouviu? Não confundir com água para o Otávio! (Risos).
                ̶  Agora tem duas escolas. Atalhou o tio Chico.
                ̶  Não. A da tia Brandina foi desativada – Quem informou isso foi o meu pai – Acho que era demais também. Funcionava a escola masculina perto da praia e a escola mista no quintal da tia Balbina, perto do Andrelino. Para que tudo isso?
                 Depois de eu me admirar disso (da existência de duas escolas ao mesmo tempo), papai acrescentou:
                 ̶ Em duas ocasiões os alunos das duas escolas se encontravam: no Dia da Pátria e no Dia da Bandeira. O professor comandava um desfile na praia. Tínhamos de marchar primeiro; depois podíamos brincar à vontade. Nesses dias especiais até coca-cola o professor dava.
                Foi a minha vez de perguntar:
                ̶  Já existia coca-cola?
                ̶ É claro que sim! Era uma garrafinha pequenininha! O barco trazia para vender no armazém do João Pimenta – Exclamou alguém.
                 Assim eu ia aprendendo:
                1) Houve um tempo em que as meninas não estudavam, depois vieram as escolas mistas;
                 2) A escola era a sala da casa cedida por um morador, ou seja, não existia um prédio público para tal fim;
                3) O civismo já fazia parte do ensino escolar até mesmo nas condições escolares mais precárias;
                4) As empresas multinacionais alcançavam lugares que até as próprias desconheciam;
                5) As plantas eram referências importantes aos caiçaras.
                É por este motivo que, todas as vezes que eu passo na estrada, outrora jundu da Maranduba, nunca deixo de olhar para a mangueira discreta que testemunhou tantas interessantes histórias. Ainda está lá! Parece dizer isto:  ̶  Muitos dos que brincaram em meus galhos e desfrutaram de minha sombra já se foram. Eu ainda me conservo em relativo vigor.
                Até acho que deveria existir uma placa naquele local. Em outros municípios, com outros moldes  administrativos, um fato histórico deste vira fonte de renda (turismo cultural).
               
Termino com uma sugestão de leitura: “Ubatuba nos cantos das praias”, de Kilza Setti.

                                               Boa leitura!
                                               José Ronaldo dos Santos

Um comentário:

  1. Prof°, saber sobre coisas do passado da região é muito legal, também já ouvi várias coisas sobre o passado do Rio Grande, cuja nascente eu gostaria muito de saber onde fica. Rsrs
    Dava para nadar lá, sendo que hoje, o máximo que se pode fazer lá é lavar barcos...
    Até!

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