terça-feira, 28 de maio de 2024

APARÊNCIAS DEVASTADORAS

 

Olha a cerração! - Arquivo JRS

     O inverno se anuncia. Ontem fiz quentão porque o frio faz por merecer esta bebida nossa, além de possibilitar recordações de outros tempos, de tantas pessoas muito estimadas, onde o meu povo caiçara festejava em comunidade.

   Festejar estava impregnado no tecido social dos meus tenros anos. Tudo girava em torno do calendário (desde o carnaval até as comemorações religiosas), da lavoura, da pesca e caça. Em época dessa, chegando o inverno, os cumbus estavam armados para gambás e as redes aguardavam os cardumes de tainhas migratórias. As festas juninas (que aconteciam nas escolas e igrejas) já estavam organizadas. Eram simples, mas envolventes, resultando em momentos de felicidade para nós. Atrás de cada doce distribuído, de cada caneca de bebida servida, de cada fogueira que nos encantava estava toda uma comunidade de caiçaras. Era esse conjunto de hábitos, de costumes que vinham dos antigos, que pautava nossas vidas, norteava nossas condutas. De repente, mediante a chegada dos turistas endinheirados, esses valores entraram em crise. Uma nova moral foi modificando a identidade local, distorcendo a vivência comunitária de séculos entre a serra e o mar. Quem chegou não quis conhecer, mas controlar. O resultado notoriamente visível está aí: um litoral degradado desde o mar até a serra graças ao nosso apego às aparências. Mas ainda dá tempo de refazer os valores e respeito desprezados nessas décadas. Há fragmentos deles duramente preservados em algumas famílias, em pequenos grupos. Se constituem em focos de resistência desse tempo tão importante ao meu ser. Eu os comparo a ilhas que precisam ser alcançadas, pois nelas estão preservadas importantes lições capazes de resgatar o espírito comunitário e de interdependência com a natureza que nos rodeia e que garantiu a nossa cultura. Só assim evitaremos sofrimentos maiores.

Em tempo: ousemos enfrentar quem deseja a privatização das praias, a verticalização do município, o aterro de brejos e mangues, a construção nas costeiras, o armamento para todos, o fim dos direitos trabalhistas, a privatização da água, a militarização do ensino, omissão em resolver problemas sérios como esgoto, lixo etc. Evitemos essa “gente do bem”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário