sexta-feira, 30 de setembro de 2022

FUGITIVOS DA INQUISIÇÃO



      Nhonhô Armiro, até onde sabemos, provinha de uma mistura de povos diferentes: de judeu a árabe, de português a indígena e negros transformados em escravos. Logo, eu, bisneto desse homem íntegro, também sou continuidade, herdeiro desse caldo cultural, étnico etc.


     Numa certa ocasião, naqueles momentos de contação de histórias, Nhonhô falou de um tal parente antigo por nome de Tonico Paparrobalo: “Esse antigo, gente nossa, era judeu. Se criou em Portugal, mas teve de se mudar para a Holanda por perseguição religiosa. Mais tarde veio para o Brasil, morou no Nordeste, em Pernambuco. Quando veio os holandeses para invadir aquelas terras produtoras de açúcar, ele precisou fugir de novo porque foi acusado de facilitar os invasores. Mas sempre escutei que era calúnia contra ele. Na verdade, era coisa de gente que queria ficar de bem com a igreja católica, quando os judeus eram os preferidos para alimentar a sanha criminosa do Santo Ofício, da Inquisição”. Mais coisas interessantes, graças à tradição oral, aprendi com o saudoso Nhonhô. Só que naquele tempo de criança eu não refletia nada disso, pois a maior preocupação era brincar. Esses temas antigos passavam longe. Até achava que tinha coisa muito fantasiosa naquelas histórias. Pensava assim: “Será que já existiu alguém chamado Paparrobalo?” Lógico que parecia ser criação de gente ligada à atividade pesqueira, da beira do mar...coisa de caiçara. Só agora, décadas depois, com a barba embranquecida, descobri que o tal homem – judeu, parente meu – existiu mesmo. Está grifado no livro Arrancados da Terra, de Lira Neto: “De acordo com o que afirmou em suas memórias o próprio donatário da capitania [Pernambuco], Duarte de Albuquerque Coelho, um certo Antônio Dias Paparrobalos indicara o caminho às tropas de Waerdenburch após o desembarque”. Foi essa a versão que vingou, segundo o historiador. Só restou fugir para não ser martirizado. Na prática, para esconder interesses espúrios, quantos inocentes ainda continuam sendo acusados de pérfidos traidores? É recomendável refletir a quem convém articular golpes e enganar a população em geral! O que dizer desses parentes seguindo lobo em pele de cordeiro?


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