terça-feira, 21 de junho de 2022

O INFERNO NA ILHA

A Ilha - Arquivo Arte em casa


      No dia 21 de junho de 1952, na Ilha Anchieta (Ubatuba) aconteceu a rebelião dos presos, a fuga que resultou em bastante mortes e muito apavoramento aos simples caiçaras. Tudo isso porque o governo resolveu remover centenas de pessoas de um lugar maravilhoso, obrigou-os a abandonar suas casas e seus espaços de pesca para transformar um paraíso numa colônia correcional no começo do século XX. Depois, lotaram além da conta o espaço construído, fizeram vistas grossas a funcionários corruptos...e...deu no que deu: a revolta, o Inferno na Ilha.
 
     Muito se escreveu sobre o fato, inclusive romances. Mais ainda se falou! Meu pai dizia dos medos, de presos que visitavam os terreiros em busca de frutas. Antônio Julião afirmava que foi seu irmão, Chico Cruz, quem cruzou o Boqueirão a nado para anunciar o ocorrido, possibilitando a vinda das tropas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

    O velho Amaral, segundo diziam, era um antigo presidiário que acabou de cumprir a pena, se casou com uma caiçara e aqui findou os seus dias. Outro "marginal" que conheci vivendo no asilo da cidade, no Lar Vicentino, foi o Herói da Ilha, aquele que, munido de uma metralhadora, defendeu as mulheres e crianças contra a sanha dos demais colegas de prisão. Por nossas ruas do centro, eu avistei muitas vezes ele, o senhor Faria Júnior, pedalando numa bicicleta com grande cesta e angariando contribuições para a manutenção da entidade onde foi acolhido até o fim da vida. 
   
   Pereira Lima, uns dos cabeças da revolta, em 11/7/1978, se encontrando preso no Carandiru, na capital paulista, escreveu um livro (Trinta anos no inferno) e pretendia publicar, segundo a jornalista Lita Chastan. Recordava-se de ex-funcionários da Ilha Anchieta, e de alguns colegas presidiários: "Diabo Louro, meu companheiro de fuga, está no Paraná. Vive muito bem pelo que me disseram: é protético, profissão que aprendeu no presídio de lá. O Álvaro de Carvalho esteve comigo nas matas. Dois dias depois foi morto quando fomos capturados. Meu pai faleceu há 16 anos. O diretor foi muito humano e permitiu minha saída; recusei, por não ter coragem de ver o velho morto. Sei que ele morreu foi de desgosto, por minha causa. [...] Gostaria de rever Ubatuba...quando for livre".

   Triste tudo isso. No presídio existiam 452 detentos. Depois da fuga retornaram 222, conforme declaração do diretor. Mais ou menos 40 (o que não foi provado) teriam sido assassinados pelos próprios companheiros. Oito militares e quatro funcionários civis foram mortos pelos presos. A grande pergunta recuperada pela Lita é: "Onde ficaram os corpos de todos aqueles que a polícia diz terem sido mortos? Foram atirados ao mar, ou sepultados secretamente? Porventura não teriam morrido?".

    Em maio de 1957, a Ilha foi esvaziada, o presídio chegou ao fim os últimos detentos seguindo para Taubaté. O soldado Xavier e sua família continuaram morando ali mais alguns anos. A nossa Ilha Anchieta, antiga Ilha dos Porcos, nunca mais voltou a ser o que era. Neste dia está completando 70 anos o Inferno na Ilha. E, o mais importante: hoje, durante o dia todo, os representantes das comunidades tradicionais de Ubatuba estarão em conferência. Espero que saiam os melhores encaminhamentos para o meio ambiente, para a nossa sociedade, para a nossa diversidade cultural, para o meu povo (caiçara, quilombola e indígena que ocupam há gerações este território). 

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