sexta-feira, 10 de junho de 2022

NA FILA DO OSSO

Bíblia distribuída - Arquivo JRS

 


    O título veio primeiro, é parte do contexto brasileiro hoje, com gente – e bastante! - formando filas em açougues para conseguir um osso a fim de dar mais sabor/ sustância ao seu prato de alimentos para romper mais um dia. Ou seja, quando pensávamos que sairíamos para uma fase de mais fartura, caímos num buraco que não se vê o fundo. Mas por que comecei assim? Porque um adolescente, de família caiçara conhecida, me questionou sobre as minhas posturas políticas diante do descalabro do governo federal, sobretudo quando sabemos que, entre 2012 e 2022, houve um corte de 70% da verba destinada à Educação.  Qual nação se manterá com ausência de investimento em cérebros, em elevação do nível intelectual? Segundo ele, eu sou “petista, contra o presidente etc.”. Aí eu apelei: “Primeiro que não sou petista. Segundo que eu nasci muito antes do PT, quando meu pai se posicionava contra o regime militar enquanto seu avô, seu bisavô, também da ‘fila do osso’, puxavam o saco dos ricos, entregavam suas posses por quase nada para ‘ficar de boa’ com esse pessoal, não se assumindo como pobres. Pelo contrário, até se aproveitaram dos demais pobres (prova disso foi a tomada de posses de parentes, de deixarem filhos fora de seus casamentos etc.). Eu, você, essa gente toda ao nosso redor está em qual fila: na dos especuladores ou na dos trabalhadores? Esse pessoal que fechou a pista na Praia Dura para chamar a atenção ao descaso com o bairro Folha Seca estava errado? São petistas? Ou fazem parte de um grupo que vive no corre-corre para ter o suficiente, uma casa, um carro etc., mas vê o abuso das autoridades em apenas garfar os impostos? Você acha que, se não se manifestar, se não influir na política, essa gente toda vai para onde? Lógico que estará na fila do osso mais cruel! (Porque apenas 1% dos brasileiros podem acessar o maravilhoso filé; o restante vive das migalhas que vão caindo de um nível para outro)”.

        Dirão alguns que a escola não pode falar de tudo, menos ainda de temas polêmicos tais como política, aborto, questões de gênero, taxação de grandes fortunas, feminicídio etc. Tem até grupos que defendem um modelo de escola alienada. Porém, pasmem, dias atrás, numa escola estadual de Caraguatatuba, alguém distribuía bíblias numa linguagem de hoje, com passagens de moral duvidosa, às crianças e adolescentes sem nenhuma reflexão prévia, talvez até na melhor das intenções. (O Velho Marx já escreveu que "o caminho do inferno está pavimentado de boas intenções"). Ou seja, a escola não pode abordar esses assuntos com seus alunos, mas a eles podem ser jogados de qualquer forma? Percebem os pais e professores a contradição? A “criançada” não pode aprender/refletir com os professores, na escola, mas deve engolir sob essa “roupagem sagrada” esses mesmos temas proibidos, capazes até de resultar em demissões sumárias de profissionais devotados à educação pública. De repente, um sujeito encostou um veículo na porta do estabelecimento escolar e passou a distribuir a Bíblia Sagrada. Os pais lerão com seus filhos, esclarecerão pontos obscuros, refletirão a partir deles?

     Talvez isso tenha se repetido em outras escolas. Será que alguém foi autorizado pela dirigente regional, pelos gestores locais? O que eu proponho, considerando a mocidade caiçara e migrante, é que esse material distribuído seja estudado, problematizado, sirva para alavancar os temas polêmicos tão   perseguidos por gente que está acomodada com seu osso que tem um pouco mais de carne grudada. Partindo da Bíblia (ou de qualquer outro livro considerado sagrado) é possível abordar qualquer assunto polêmico da atualidade. A Diretoria de Ensino, cada escola, o corpo docente...todos têm capacidade, mas precisam ser ousados e enfrentar mais esse desafio. Não nos esqueçamos que os poderosos do mundo não desejam formar cidadãos. O que lhes interessam é produzir consumidores. Formar cidadão/cidadã é nossa parte nesta vida que escolhemos e por qual lutamos: a Educação Pública. Eu, tenha a certeza, sempre procurarei o rumo utópico de incluir mais gente em vez de excluir.

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