sexta-feira, 5 de novembro de 2021

O QUE O MAR NOS DEU HOJE

 

Praia do Itaguá - Ubatuba  (Arquivo JRS)


     Daqui, minha família, contemplei muitas vezes homens pescando, crianças brincando, jovens se divertindo, pessoas proseando e muita gente namorando. Seo Florindo Teixeira Leite, nosso vizinho na Estufa, saía de casa ainda no escuro a cada dia para a sua devoção à pesca. Era o primeiro a chegar no rancho das canoas, pouco antes do Aládio, dois pescadores da geração que viu nascer o século XX. Os mais jovens chegavam depois, quando as canoas já estavam no lagamar, prontas para seguirem nas remadas mar afora. 

   Daqui, minha família, contemplei lindos lanços de redes em suas farturas de peixes. Certa vez, bem defronte ao Porto da Capela, uma trancada de gonguitos, uma espécie de bagre muito apreciado para comer cozido e fazer pirão, me impressionou bastante. Para quem não sabe, qualquer espécie de bagre costuma dar trabalho quando cai em redes porque tem ferrões que o travam entre si e nas malhas. Não tem como retirar bagre depressa de rede. É exigida muita paciência do pescador, pois senão rasga as malhas, causa mais confusão, atrasa a pescaria.  Naquela manhã, era muito grande o cardume de gonguito cercado pelos pescadores da praia do Itaguá. Florindo, Aládio e os demais companheiros da rede se desesperaram quando viram tantos gonguitos. Coisa linda! E agora? Encheram os balaios, chamaram as pessoas que iam passando para pegarem o quanto quisessem, mas ainda era muita quantidade que enchia a rede. Tente imaginar quantos eram ajuntados na areia monazítica dali, onde costumávamos nos deparar com gente enterrada em boa parte dos corpos por acreditarem nas propriedades medicinais daquela areia preta, repleta de mirim que dava trabalho para serem removidos até na hora do banho. Voltando ao lanço de rede marcante (porque era muito bagre e porque demorou muito), foi chegando gente de lugares mais distantes, em bicicletas ou a pé, enchendo sacolas num vai-e-vem sem fim. Aos poucos aquele tanto de peixe foi se indo, sendo aproveitado por pessoas pobres como nós. Florindo e os outros desacorçoaram, sentaram-se debaixo da amendoeira vendo a movimentação e gritando de vez em quando: "Cuidado com os ferrões e tirem os peixes sem estragarem as malhas. Façam bom proveito disso tudo que o mar nos deu hoje". Foi um amanhã toda em apenas um lanço de rede. Nunca vi igual.

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