domingo, 10 de novembro de 2019

O MESTRE E SUA DAMA

Fandango no Prumirim (Arte: Estevan)


       “No bate-pé, pra essas bandas, ainda não apareceu ninguém que superasse o Antônio Neves, da praia Grande”. Quem me contou isso um dia foi o Dário Barreto, da Fortaleza, mas muita gente também repetia a mesma coisa quando o assunto era dança. Comecei este texto assim porque, dias atrás, vi desembarcar do ônibus, no bairro Rio da Prata, esse grande caiçara - um Mestre! -  e sua esposa Isabel, afilhada da mamãe. Estão idosos, já lentos em seus passos, mas tão honrados como sempre foram, transmitindo uma paz como pouca gente consegue. Como amo essa gente!

       O Neves, conforme chamava o Velho Peralta, nascido na Grande do Bonete, casou-se com Isabel, da Sete Fontes. Gente da pesca e das festas! Caiçaras ligados ao mar de verdade! Ah! Como subiram e desceram morros esses dois! Quem conhece a praia das Sete Fontes, indo pelo caminho desde o Saco da Ribeira, saberá muito bem a que me refiro (sobretudo em tempo chuvoso, quando o barro vermelho fica liso como sabão). 

       Dançar sempre foi uma paixão dos caiçaras. Não se passava uma semana sem função: na entrada era chiba, depois a marrafa e as miudezas (ciranda, cana-verde…). O conjunto, que hoje também é chamado de Fandango, era o Bate-pé. Tamancos se arrebentavam se não fossem bons. “Muitos preferiam o pau de laranjeira para fazer seus tamancos, mas o Antônio só usava aroeira ou cabiúna. Nunca vi um tamanco dele se partir no meio do bate-pé. Nunca fez feio no assoalhado”, conforme o saudoso Dário. “E a dama tinha de ser boa na dança, ter muita resistência para ser a parceira do Antônio Neves. Ele cansou de vencer os outros: só parava depois de todos já estarem sentados em bancos, quando o Sol já estava por cima do Mar Virado”. Outras falas do mesmo teor, cheias de admiração, dão a entender o dançarino que foi o estimado Antônio Neves. "Foi mestre mesmo!".
   
         E eu parei para apreciar aquele casal querido, indo pela beira do caminho, um atrás do outro, com algumas sacolinhas de compras. Me emocionei pensando em seus parentes, no lugar onde fizeram tanto por todos nós, onde tantas prosas boas tive o prazer de compartilhar com os dois. Seus passos lentos, cuidadosos com os buracos, carrapichos, pontas de criciúmas e arranha-gatos. "Daqui a pouco alcançam a segurança do lar, do terreiro bem cuidado". Em seguida continuei meu caminho, cantarolando o findar de uma das nossas músicas:

Minha gente me desculpa
Minha gente me desculpa
Me queira me desculpar
Remando nesta canoa
Me queira me desculpar
Na rima deste meu verso
Viola já vai parar.

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