sábado, 2 de março de 2019

GENTE DOS RAÉ

Eu e Joana (Arquivo Lu)
Grande Joana Célia! (Arquivo  André)



            Assim que eu cheguei na secretaria da escola, o primo Zé Roberto me mostrou uma fotografia: “Conhece, né? Acabou de falecer por causa da dengue hemorrágica”. “Nossa! É a Joana Célia, filha do Zé Raé! Não acredito!”.

            Joana Célia Tavares, caiçara do canto da Lagoinha (onde hoje é o Recanto da Lagoinha, moravam quatro famílias originárias), nossa conhecida desde o tempo em que a vovó Martinha morava no Sapê, era uma pessoa muito agradável, sempre disposta a uma boa prosa sobre as coisas de caiçara. “Papai fazia balaio, desses que você faz, mas usava taquara e cipó”. Seu pai, Zé Raé, vendia peixe por ali mesmo, entre Lagoinha, Pontal, Porto do Eixo e Sapê. Depois de muito tempo, eu a reencontrei na escola, quando voltou a estudar no CEEJA- Massaguaçu. Em 15 de dezembro de 2017 essa estimada pessoa concluiu o Ensino Médio. Que prazer ter a alegria em fazer parte dessa  etapa da vida de alguém que, desde que eu me lembro, sempre trabalhou muito, serviu à comunidade (ultimamente era agente na pastoral da criança na igreja católica). Por mais de vinte e cinco anos viajou desde a praia da Lagoinha para trabalhar em casa de família no Saco da Ribeira. Chegava sempre cansada na escola. Após um dia puxado de trabalho ainda encontrava forças para desenvolver o seu aprendizado. “Estou cansada, Zé. Tem dia que até penso em parar de estudar porque já não sou tão nova assim. Só que eu sinto falta dos estudos quando estou nas minhas tarefas, na igreja. Eu não vou desistir não”. E a Joana não desistiu.

            Eu me lembro de uma prosa assim entre nós: “Você conheceu o tio Chico Raé?”. “Lógico!  Ele morava na Estufa; era casado com a Mercedes, da Praia Dura. Depois de viúva, ela se casou de novo e mora até hoje na Sete Fontes”. “Eu sei. De vez em quando me encontro com ela no Saco da Ribeira”. “Joana, o seu tio Chico Raé andava sempre bem arrumado, em sapatos impecáveis. Estava sempre com óculos escuros por causa da sensibilidade à luz. Foi ele quem me explicou sobre os antigos Raé, gente que se dizia ter vindo da Suiça para compor uma colônia no Itaguá, na Fazenda Jundiaquara”.

            Mais tarde, lendo um documento, achei a preciosa informação um dia dada pelo Chico. No relato de um cônsul suíço, designado para verificar as condições dos patrícios atraídos para o trabalho no Brasil colonial, apareceu uma revelação: de todas as localidades visitadas, apenas em Ubatuba ele foi obrigado a dar razão ao fazendeiro, pois os imigrantes preferiram o ritmo caiçara, escapando da lida determinada pelo proprietário. Resumindo: eles perceberam logo o que era melhor. E assim, os Raé e outros suíços se acaiçararam, deram suas contribuições no nosso caldo caiçara. Partiu a guerreira Joana, gente dos Raé! Ela e o pequeno Arthur,  vítima da meningite, seguem juntos.

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