segunda-feira, 30 de março de 2015

CAUSO DO FIDÊNCIO

               
Coleção "Meus azulejos" (Arquivo JRS)

           Olá, Mércio! Bem-vindo ao blog!


                O Fidêncio é o caiçara mais velho da nossa terra. Mora ali no Sertão da Quina. De acordo com a pesquisa do primo Ezequiel, ele nasceu em 1907. “Meu Deus! Antes da fundação do Corinthians, antes da Revolução Russa, antes da Primeira Guerra Mundial, antes da bomba atômica, antes de se sonhar com rodovias nestas terras ubatubanas!”.
                O Fidêncio está bem, tem uma memória incrível. A sua esposa também centenária, está no mesmo pique. É assombroso! O Tio Dito semanalmente visita o casal de idosos. É ele quem nos reconta  esta história:

                “O Fidêncio está muito bem. Impressionante a sua postura durante cada conversa! No sábado passado ele contou de uma ocasião em que saiu para uma pescaria de canoa, ali mesmo, entre a praia e a Ilha da Maranduba.
                Antes de ir ao pesqueiro, ao lugar onde sempre está garantido bons peixes, ele passou o puçá para pegar camarão (isca). Naquele dia estava fraco de camarão; somente oito ou dez camarões estavam na cuia, no fundo da canoa,  após várias puxadas de puçá.  Mesmo assim ele não desistiu da pescaria. A primeira fisgada foi de um cação ‘joão dias’ ou cação-torrador (Mustelus canis).
                O cação denominado ‘joão dias’ era abundante por aqui; se parecia com um tubarão em miniatura, curto (um metro) e grosso. Só que era mansinho e cobiçado na culinária caiçara.  A gente pescava muito deles no perau do Porto do Eixo. Ah uma caldeirada de cação cozido com alfavaca!
                Após tirar o cação do anzol, novamente o Fidêncio iscou e lançou a linhada a prumo, na borda da canoa. De repente, notou que bem discretamente o cação, se arrastando pelo fundo da canoa, passou por debaixo do banco e foi em direção à popa. Ao perceber que tinha outro peixe querendo pegar na  isca, ele se concentrou. Escutou um roc-roc-roc na popa, mas não se importou. Logo veio se debatendo uma embetara. Bonita mesmo!

                Ao tirar a embetara do anzol e se virar para pegar outro camarão, aí ele soube o que era aquele roc-roc-roc. O cação, que tinha passado por entre as suas pernas, estava interessado na cuia de camarões. Comeu tudo. Aquele barulho era dele raspando os beiços na cuia. O jeito foi voltar para casa porque,  a isca que era pouca,  foi comida pelo esperto cação”.

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