Arte do Gildásio Jardim - (instagram gildasiojardim) |
Me acomodo no banco da praça. O cheiro mais próximo vem de uma roseira que tem a aparência de ser bem antiga a julgar pela grossura do tronco. Me detenho no perfume discreto entre o verde vicejante, todo preservado por alguém sensível que a sabe da nossa necessidade de espaços assim, sobretudo nos centros urbanos, entre o corre-corre inevitável.
O perfume vindo da roseira me desperta para outros cheiros, faz lembrar do livro O perfume, escrito há décadas por Patrick Süskind. Pronto! Outros cheiros e outros tempos vão se fazendo presentes! O suor de quem não vê a hora de chegar em algum lugar para se banhar, o cachorro companheiro que não se importa em deitar e rolar no odor do capim melado onde provavelmente caça lebres, a criança lambuzada e deixando pelo caminho o adocicado de seu pirulito, a adolescente se dirigindo à escola transpirando um perfume de boutique, dessas marcas que custam mais, o senhor e a senhora bem vestidos com suas roupas simples e sapatos bem cuidados, talvez indo à igreja, deixando um rastro de perfume que me faz recordar do jasmineiro no terreiro da vovó Eugênia, um trabalhador, meu companheiro de obra, usando um desodorante barato, que assustava a gente ao reagir com o suor, o vô Estevan trazendo da praia o cheiro da maresia etc. São cheiros diversos, sinais da nossa natureza, da nossa humanidade.
Essa diversidade de cheiros sempre acaba me remetendo à saudosa Odócia, caiçara da Ponta Aguda que tinha um olfato apurado, sentia de longe os cheiros e suas origens. Numa ocasião, retornando de mariscar com ela eu notei que, além de prestar atenção, se detinha nos cheiros e pedia a minha atenção a eles: “Tais sentindo, Zé? Vem de lá de cima, do tarumã florido”. “Este outro é de ciosa, daquele charquinho logo ali”. “Lá atrás, aquele cheiro enjoativo, era de guanxuma molhada”. Assim eu era educado por ela em diversos cheiros, nos perfumes que estavam pelos caminhos do chão caiçara. De repente um cheiro diferente e o comentário dela: “Ah! Este é da comadre Dirce! Ela, no mês passado, foi comprar um corte de fazenda na cidade e aproveitou para adquirir um perfume bacana. É este mesmo! A danada passou por aqui não faz muito tempo. Não é bom mesmo?! Quase que dá para comparar ele com o cheiro bom de limão-do-mato, né?”. Chegando em casa, a mariscada seguia para o caldeirão no fogão que estalava lenha. Tudo coisas da nossa humanidade!
Que saudade da Odócia, do Aristeu, do Gregório, da Filhinha, a dona Paulina e de tanta gente boa que morava na Ponta Aguda! Quantas boas lembranças! Que saudade dessas coisas de caiçara!
Nenhum comentário:
Postar um comentário