segunda-feira, 4 de novembro de 2024

TOBIAS DE JESUS

 

Tobias, de costeletas - Arquivo Ubatuba


     “Faz pouco tempo que avistei o Tobias vindo para cá, ainda no caminho, perto do mercado São Geraldo. Ele não passou ainda?”. Hoje o Tobias já não está entre nós. Pensei muito na querida Joseana e também nele no último Finados. A frase inicial se deu na casa da tia Tereza, quando mais gente o esperava para uma conversa sobre problemas do bairro (Estufa). Tobias era vereador na época, começo dos anos 80.

   Tobias de Jesus, gente da gente por parte do pai. “É gente da praia do Pulso, descendente do fazendeiro Francisco Alves Granadeiro, casado com dona Maria Gertrudes. Toda a Caçandoca e vizinhança estava no nome dele, diziam os antigos”, me garantiu um dia o Velho Gabriel, morador da morro da Raposa. “Ele passou por aqui com mais gente, tive o prazer de conhecer. Foi eleito vereador. Acredito que fará um bom trabalho, será honesto e ajudará os pobres”. Estava certo o Velho Gabriel. Anos depois fui encontrá-lo para uma visita-entrevista em Vicente de Carvalho, na Baixada Santista. Bem velhinho, mas consciente de tudo, especialmente da violência sofrida em terras da Caçandoca, ele se lembrou de perguntar pelo Tobias, saber se estava bem, se continuava na política etc.

    Tobias, considerado primo por meu pai, foi alguém atento às necessidades do bairro, das pessoas mais necessitadas. Ele estava inserido na comunidade, sempre atuando nos mutirões. Me recordo bem dele carregando latas de massa, madeiras etc. durante a construção da igreja católica (São Benedito) da Estufa. Em outra ocasião, colaborou bastante com o Centro de Artesanato fomentado pelo prefeito Pedro Paulo. Ali, na Cadeia Velha (atual museu), se encontrava produtos feito pela caiçarada daquele tempo. Os produtos Vinham do Cambury, do Sertão da Quina, do Itaguá etc. Foi a primeira vez que ocorreu algo assim, tão abrangente e incentivador dos talentos do nosso povo. Palavras da prima Nini na época: “Que bom, né? Seus abençoe esse homem! Assim, com as coisas que a gente sabe fazer, conseguimos algum dinheiro para aliviar as despesas”.

   Quem conheceu o Tobias não haverá de esquecer da voz dele que se destacava em qualquer cantoria. É ele que está na raiz desses artistas (Ostinho, Cidinha, Jussara...e companhia!), seus descendentes repletos de talentos e criatividades. É essa gente nova que “não vai deixar cair a peteca”, que vai tocar em frente os desafios que aí estão no território caiçara.


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

VONTADE DE CONTAR

 

Rosas no terreiro - Arquivo JRS 


   Lendo uma mensagem do cantor Milton Nascimento, no encarte do disco Anima, me emocionei: “Este disco traz aquilo tudo que acredito. Todas as coisas que gosto. Essa vontade de acreditar, apesar de tudo que acontece no mundo, contrário a essa esperança. A vontade muito grande de cantar, de dizer as coisas para as pessoas, de falar coisas que a gente ouviu, o que a gente aprendeu e que a gente segue vivendo apesar de tudo [...] Anima vem do latim e significa: sopro, aragem, brisa, vento, ar, exalação, cheiro, aroma, dá vida, alento, vida, existência. Significa alma”.

    Por que me emocionei? Porque hoje, agora, enquanto estou escutando a cantoria de passarinhos, alguém está entrando numa sala de aula deste país num desafio: continuar levando a esperança que herdamos de tanta gente que por nossas vidas passaram.

     Qual esperança? Somente a educação pode mudar o mundo para melhor! Que ela seja libertadora!

    O que a gente ouviu e aprendeu nos trouxe até aqui. Eu apenas continuo contando minhas histórias porque creio nas muitas educadoras e educadores que estiveram, estão na pista ou virão por este caminho, nesta mesma esperança. Eu, a cada amanhecer, estou ciente e firmando posição contra os sinais de desesperança tão assustadores. Eu, a cada momento, estou torcendo pelo sucesso da companheirada na empreitada educativa nossa, deste nosso povo, desejando força sempre e se segurando nesta bandeira. É a nossa alma que está em comunhão neste momento, em mais um passo depois de outro, de outro, de outro... almejando a grande utopia que ilumina o horizonte do alvorecer. Vai, filho! Vai, filha! Seguimos juntos, minha Gal! É o amor que nos sustenta! Amanhã será um novo dia juntamente com os sonhos e lutas de ontem e de hoje!

 

Entre as plantações havia água.

Valas, corguinhos...

Reguinhos repletos de vidas:

Garu-garu, camarão, bagre...

Mussum, mãe d’àgua...

Saracura festando o entardecer.

Tudo água limpa, cheia de vidas,

Digna de crença, novidade alguma de quem contou:

“Era só se agachar e se saciar ali mesmo”.

Era assim mesmo!

Sem cercas além dos bastoeiros

(Cheirosos, prediletos de cobras),

Quase sem limites à criançada.

Tudo era espaço de arte,

Lugares de reinações;

Descobrindo mundos

Mesmo no esconde-esconde.

Aonde foi tudo isso? Aonde?