Aranha na teia - Arte da Mônica |
"Entre a riqueza e o saber, as pessoas não pensam muito, ficam com a riqueza ".
Dias desses, escutando três crianças negras cantando e tocando um samba popular, me achei refletindo acerca da diversidade de povos, de culturas e etnias que fazem o nosso país, tal como uma teia de aranha. Eu sou parte desta teia chamada Brasil. Dentre tudo isso, os afrodescendentes são o que mais me impressionam. Em cada rosto, em cada traço aparente que revela sua origem (o continente africano), eu reconheço e admiro a história de resistência que é carregada nesses últimos séculos de sofrimentos. Quantas histórias esses grupos africanos e seus descendentes já viveram no território caiçara? Muitas! Nos fizemos caiçaras graças a eles também!
Para ilustrar o valor da memória de resistência, eis um trecho do Capitão Mouro, de Georges Bourdoukan:
- Vocês vão ver o que acontece com aquele que tentar fugir ou desrespeitar o seu senhor.
A um sinal seu trouxeram um escravo com as mãos acorrentadas para trás. Estava com a letra F gravada na testa e sem uma das orelhas.
- O que significa a letra F? - perguntou Saifudin.
- Fugitivo - respondeu Ben Suleiman. - Quando eles recapturam, gravam a letra F com ferro em brasa. Quando foge pela segunda vez, cortam uma das orelhas.
Continuei lendo e curtindo os pequenos artistas que certamente já escutaram de seus pais essas tristes histórias. Pode ser que presenciem ou ouvirão coisas piores porque parece que estamos regredindo demais nos últimos tempos. Um exemplo: eu estava na rodoviária da cidade de Aparecida aguardando a chegada de um ônibus. De repente, um jovem negro, funcionário dali mesmo, falava mal de seus semelhantes. Pensei na hora: "Sei onde está a raiz deste ódio ".
Somos humanos, mas somos primeiramente animais. Precisamos, continuadamente, cultivar a humanidade para não retornaremos à barbárie. Aquele e tantos outros comentários de ódio não se dirigem a quem imprime sofrimentos às minorias sociais, a quem se aproveita dos mais fracos da sociedade. Aquele comentário está no mesmo principio de quem deseja apedrejar, cortar orelhas etc. Aquele comentário é de quem não deseja o melhor para seu próprio povo cuja raiz cultural é sobrevivente das naus tumbeiras. Aquele comentário é de quem não reconhece o direito dos quilombolas resistentes, dos direitos trabalhistas alcançados com tantas lutas, dos direitos a uma vida digna para todo mundo. Não consegue enxergar que a sua própria existência é sinônimo de resistência pelos séculos.
Todas as minorias sociais continuam sendo caluniadas, escorraçadas e perseguidos por quem troca o saber, a humanidade, pela riqueza. Triste fim de mundo!
Para encerrar - e não esquecer que a nossa humanidade se cultiva - uma frase do muro: "Façam silêncio enquanto as crianças dormem, não quando morrem sob bombas".
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