quarta-feira, 25 de setembro de 2024

NÃO HÁ OUTRA TERRA

 

Floresta em chamas - Arquivo JRS 


   Antoine de Saint-Exupéry, no livro O pequeno príncipe, escreveu o seguinte: “E se eu, por minha vez, conheço uma flor única, que só existe no meu planeta, e que um belo dia um carneirinho pode liquidar num só golpe, sem avaliar o que faz, isso não tem importância?”. Pode ser que seja uma frase bem simples, mas a aproveitarei para uma reduzida reflexão nesses dias de acidentes criminosos, de matas imensas ardendo em chamas.

   Sem dúvida que quem é apaixonado pela natureza já está em sintonia comigo, sabe que somos interdependentes neste planeta (acabei de ver as formigas limpando os brotos de uma laranjeira cheia de pulgões, garantindo os frutos futuros). Muita gente entende perfeitamente que não existe outra Terra. Ou seja, não jogamos nada fora, tudo causa alguma reação a todo momento em todos os lugares. Os cientistas mais comprometidos com a vida, com o meio ambiente e com as questões sociais, continuam estudando as relações entre desertificação, queimadas, poluição atmosférica, esgoto não tratado, destruição de ecossistemas, poluição de rios e mares etc. O meu povo caiçara, até antes do advento do turismo, estava em maior sintonia com a natureza, sabia ler os sinais que os ares, os animais e os demais seres emitiam. Essa minha gente, agora minoria cultural em seu próprio território, deveria se manter apaixonada pelas mesmas causas que eu, também deveria saber que há muito mais do que um carneirinho pondo em risco uma flor única. Uma mata, formada há milênios, abriga um valor inestimável em seres vivos, muitos dos quais nem foram conhecidos. Então é lógico essa aceitação de que fogo e extermínios são necessários? É natural enxergar o mar bonito, mas saber que as correntes de esgotos estão lavando pessoas que se divertem? E o que imaginamos vendo os pescadores oferecendo os produtos do seu trabalho conseguidos em tal ambiente?

  “Ah, tudo é política!”, dirão muitos. E é mesmo! As  áreas de preservação só existem (e resistem!) porque pessoas e entidades pautam suas razões nessas causas. A agricultura familiar, que fornece 70% da nossa alimentação, só está sendo resgatada porque surgiram políticas nesta intenção, contrariando os latifundiários deste país. A nossa cultura ganha suspiros de alívio porque algumas pessoas, lideranças comunitárias, cidadãs deste chão (território caiçara geral) não arriam o bastão e seguem em frente. Talvez só estejam pouco atentos aos aspectos políticos, de engajamento na estrutura para modificá-la e/ou aperfeiçoá-la. É isto: precisamos urgentemente conhecer as intenções dos seguimentos políticos, propor mudanças, ser sujeitos de um tempo que, ao que parece, pode estar no fim. Nossas lideranças podem fazer a diferença a partir da política local.

  Qualidade das águas, mata preservada, desenvolvimento sustentável, respeito à diversidade cultural  etc.: tudo é questão de política. Eis a definição dada a ela pelos gregos: a arte de viver na cidade, em coletividade.         Enfim, não é um carneirinho que pode ameaçar a vida de uma flor, da natureza e da humanidade, mas nós mesmos. Tudo depende da nossa alienação ou do nosso engajamento. Os poderosos e os que cultivam a ambição de serem ricos assumem as suas causas e nos prejudicam. Resta a nós definir e agir politicamente pelas nossas. Não há outro planeta Terra. Isso tudo não tem importância? 

Em tempo:   "Somos a única espécie que conspira para a própria extinção " (Miguel Nicolelis)

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