terça-feira, 17 de setembro de 2024

MÁRTIRES

 

Escadaria - Arquivo JRS 


      Em uma maravilhosa crônica dedicada à memória de Giordano Bruno, o talentoso escritor lusitano José Saramago nos relembra:
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“Desde a infância que os educadores nos falam dos mártires, dão-nos exemplos de civismo e moral à custa deles, mas não nos dizem quanto foi doloroso o martírio, a tortura. Tudo fica no abstrato, filtrado, como se olhássemos a cena, em Roma [local do martírio de Giordano Bruno], através de grossas paredes de vidro que abafassem os sons, e as imagens perdessem a violência do gesto por refracção. E então podemos dizer, tranquilamente, uns aos outros, que Giordano Bruno foi queimado. Se gritou, não ouvimos. E  se não ouvimos, onde está a dor? Mas gritou, meus amigos. E continua  a gritar”.

   Os gritos de Giordano Bruno, de Joana D’Arc, de Dorothy Stang, de Padre Josimo, de Dom Oscar Romero, de Margarida Alves, do indígena Galdino, do operário Santo Dias, do Chico Mendes e de tantos outros mártires continuam nas perseguições aos grupos originários, aos afrodescendentes, aos pobres das periferias, do litoral e dos sertões do imenso território brasileiro. Os martírios prosseguem porque continua existindo gente inconformada com as injustiças. Mártires continuam existindo no mesmo vigor de outros tempos. E por que não se fazer viva memória do grande campo de mártires que é a Faixa de Gaza há mais de sessenta anos, dos muitos campos de refugiados que vivem da solidariedade internacional e dos povos que resistem aos bloqueios econômicos impostos por países ricos? 

  Gente que se “edifica” nas vidas do mártires clássicos está produzindo mártires, sobretudo nesta época de endeusamento das armas de fogos, de queimadas para expandir pastos e monocultura, de grandes empresários bancando candidatos que lhes serão subservientes para saciar a sede intensa de exploração dos recursos ambientais e de seus semelhantes, dos humanos mais fragilizados. Não nos esqueçamos que ainda tem um grande número de sem-noção neste país que pretende privatizar as praias, acabar com as conquistadas leis trabalhistas, tornar o ensino militarizado etc. Também em Ubatuba tem gente assim (limitada cognitivamente ou desviada moralmente)!

   Os gritos dos martirizados continuam, irão nos acompanhar a vida toda e continuarão após nossas mortes.

  Grande utopia é que todos sejam livres do sofrimento e das causas do sofrimento. Que todos os mártires nos sustentem neste ideal; que seus exemplos sirvam de degraus a todos que querem um mundo melhor.


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