sexta-feira, 2 de agosto de 2024

BOSQUE DA RUA

 

Década de 1970 - Prefeito Basílio Cavalheiro hasteia bandeira - Arquivo Ubatuba


   Eu estava podando as plantas da calçada, mas o trabalho não rende porque sempre tem alguém parando para uma prosa. Acho é pouco  e quero é mais! Tem quem se enverede em coisas de religião, outros contam da saúde, do trabalho que está fazendo depois de um tempo sem emprego etc.

   Renan é vizinho de algumas ruas depois. Ontem ele parou para comentar das terras que a finada mãe tinha: “Sabe aquela área ali no Mato Dentro? Era dos meus parentes. Tio Zé Raié tinha bananal ali. Tudo aquilo, onde tá cheio de casas e de comércio agora, era dele. Depois vendeu para Fulano, que vendeu para Sicrano, que mais tarde vendeu para Beltrano. Este pagou com drogas que trazia de longe. Sicrano se acabou no vício. Quem comprou dele agora tá rico, não precisa mais se preocupar nesta vida com dinheiro”. Quando ele acabou de explicar tudo, perguntei: “Então quer dizer que o crime compensa?”.  Ele parou, ajeitou os óculos e respondeu: “É, compensa. Sabendo fazer... compensa! Peguei esse exemplo vivido num fim de semana para refletir sobre ideologia com alguns adolescentes. Afinal, acredito eu que, se a pessoa estudar a sério, consegue refletir melhor e perceber as ideologias no seu caminhar, escolher o que compensa ou dizer “não é por aí o caminho”.

    Ideologia é um modo de justificar as palavras e atitudes  que norteiam a nossa vida: para alguns é a política nessa ou naquela direção, para outros é a religião com sua doutrina que tem a palavra final. Na pandemia da covid, quantas pessoas deixaram as orientações científicas de lado e se deram mal? Uns seguiram as falas descabidas do chefe da nação, outros deram ouvidos a seus líderes religiosos...Diziam que era tudo para salvar a pátria, as cores da nossa bandeira. Eu tenho a certeza de que se não fosse a vacina, outros milhares teriam nos deixado. O que faz as pessoas abraçarem ideias absurdas, serem comparados a rebanhos que obedecem cegamente essa ou aquela linha de pensamento?  Tem gente que passa olhando o meu trabalho com as plantas, diz que melhor seria cortá-las e cimentar tudo.  De onde vêm tais convicções? Ainda bem que são minoria! É disso que se trata ao refletir acerca de ideologia: de como chegamos às escolhas desse ou daquele caminho!

   As minhas escolhas (cultura popular, preservação do meio ambiente, políticas sociais etc.) me trazem satisfação. Exemplo: Notei há muito tempo, dentre muitos exemplos, que a Dona Maria, moradora antiga no bairro, faz questão de passar bem devagar na nossa calçada, como se estivesse contemplando. Logo depois da prosa com o Renan, ela estava retornando do mercadinho. Parou perto de mim e fez este comentário: “Eu chamo está calçada de Bosque da Rua. Adoro esse frescor, essas plantas. O senhor está de parabéns”. Tem coisa melhor do que um elogio-agradecimento pelo espaço que cultivamos? Tem coisa melhor do que aproveitar a folga para cuidar das nossas plantas e prosear com as pessoas?

    Eu acho é pouco  e quero é mais!


Nenhum comentário:

Postar um comentário