quinta-feira, 17 de novembro de 2022

URUBU UNGIDO

Urubu no poste - Arquivo JRS


        Pretensão das religiões é separar coisas sagradas de coisas profanas. Quem discorda disso? Quem não conhece alguém que, depois de muito aprontar na vida, prevendo um suposto terrível castigo se acoita numa igreja, se converte? Assim eu ia pelo lagamar pensando. Mais à frente seguia na maior alegria um razoável grupo de adultos e crianças. Acompanhando-os, um cachorro estava a correr atrás dos urubus que, como costume, vasculhavam o espaço em busca de algo para comer. Nisso me recordei de uma descendente de piauienses apoiadora de ideias discriminatórias contra nordestinos, negros e pobres, favorável à ideia de golpe militar, apoiadora do Bozo, do Marreco de Maringá etc., que apareceu vindo do interior para "recomeçar" nova vida no chão caiçara.  Enfim, uma “patriota” que passou um perrengue com urubus. Lhe conto agora esta história. 

    Certo dia, no rio que passava rente ao local de trabalho dessa pessoa reacionária, amanheceu um animal morto, parecia um porco. Talvez tenha sido arrastado pela chuva violenta de dias antes. Não demorou nada para que os urubus chegassem e fossem se revezando nas bicadas ao cobiçado defunto. Pareciam formar um time sobre o muro, se desentendendo de vez em quando. De repente, um deles se perde na direção do voo e adentra no corredor da edificação, terminando por se chocar contra uma barreira gradeada. O coitado ficou tonto, vomitou no piso, mas logo se recobrou e saiu voando pelo outro lado. O que fez a “patriota”? Se desesperou; chamou um pastor que estava por ali, colega do execrável Totonho do Rio Abaixo que vive de se aproveitar da fé alheia, e pediu-lhe uma oração diante do horrível vômito.

        Todo compenetrado na ação, o indivíduo deu início ao ato religioso, à reza do urubu: “Ó Senhor, pai nosso e de todos os demais seres, olhai pela nossa irmã que tem medo de bichos, sobretudo de aves, de passarinhos. Proteja ela neste lugar, neste prédio. Que essas aves não passem mais por aqui, não tragam coisas ruins à irmã. De espaço em espaço, a solicitante se empolgava no “aleluia, irmão”.  De repente um ruído diferente. Sabe o que era? Outro urubu na mesma rota do anterior! A mulher deu um berro no meio do “aleluia” e se entocou na sua sala de trabalho, trancando a porta. O urubu, assustado com o berro, se deteve todo desengonçado e retornou de onde tinha vindo sem querer e foi deixando um rastro esbranquiçado e fedido pelo corredor, provocando um êxtase no pregador: “Ele cagou, ele cagou... Foi ungido, se libertou...Não vai mais afrontar a irmã!”. De longe, quase rindo de tudo aquilo, pensei que uma solução lógica era manter fechada a barreira que já existe no corredor, mas nem comentei com ninguém. Resta o fato garantido pelo pastor: o urubu foi ungido, tornou-se sagrado. (Ah! Ainda bem que ele não "ungiu" ninguém!)

 

Em tempo: quando eu era criança na praia da Fortaleza, atrás de casa da vovó Eugênia tinha umas embaúbas prediletas dos urubus. Do galhos altos eles defecavam sobre uma pedras que estavam debaixo. Da vovó eu escutava o alerta: “Nunca fique debaixo daquele lugar. Se eles cagarem na sua cabeça, você fica careca”.

Em tempo 2: conforme um dito popular, relembrado pela saudosa mãe do Carlos Lunardi: "Urubu quando está com azar, o de baixo caga no de cima". Boa esta, né?

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