sábado, 8 de fevereiro de 2020

OLHAR DOS SINOS

Olhar dos sinos (Arquivo JRS)

Olhar dos sinos (Arquivo JRS)

Olhar dos sinos (Arquivo Leandro)



          De vez em quando alguém me convida para falar alguma coisa da história de Ubatuba. De pronto digo que sei pouca coisa, mas que estou disponível para contribuir no que for possível. Na verdade, gosto mesmo é de escutar os outros contando causos e histórias. Mas o companheiro Leandro insistiu! Assim nos encontramos na igreja matriz, na praça Exaltação da Santa Cruz, no coração da cidade de Ubatuba. Uma companheira, Renata Takahashi, especialista em imagens, fez bonito. Vem pintando por aí um documentário dela sobre a nossa terra! Foi uma troca de ideias, conforme valorizou o persistente professor Leandro. Nem sei o quanto aproveitarão da minha fala, mas o eixo da prosa deveria ser a igreja, a religiosidade católica, o templo. Mas é lógico que demos voltas, falamos de tantas outras coisas!

           Sabemos que a tal “Paz de Yperoig” aconteceu em meados do século XVI, mas a Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba é de 1637, criada da concessão da sesmaria da Condessa de Vimeiro, herdeira de Martim Afonso de Souza. Portanto, por volta de oitenta anos depois da traição aos indígenas no terreno na borda das “águas dos tubarões”, quando os tupinambás e aliados foram trucidados, oficialmente surgiu o embrião da futura cidade. No entanto, somente em 1700 aparece a preocupação do poder público com a manutenção do espaço religioso católico, o primeiro (que estava localizado onde bem mais tarde foi fundado o Ateneu Ubatubense, a primeira escola da cidade). Era a igreja da Nossa Senhora da Conceição, de onde vem a denominação da atual Rua Conceição. 

           As gerações dos séculos anteriores fizeram um grande esforço, mas o acabamento mais apurado se deu no século XX, recebendo até “contribuição” da igreja da irmandade da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Esta acabou sendo demolida em prol da igreja matriz. “A coisa mais bela que temos é a parte do altar-mor que veio de lá”, segundo o Velho Sabá. “Não havia recursos para deixar as duas igrejas em pé; naquele tempo havia muita pobreza, não circulava dinheiro por aqui”. Por isso desapareceu a igreja dos negros. Hoje, seria interessante escavar a praça Nossa Senhora da Paz de Yperoig para recuperar partes desse monumento. Também ali deveria ser erigido um memorial com ao menos um evento anual.

            Afirmo que foram os frades franciscanos, presentes a partir da segunda metade do século passado, os reformadores e garantidores do atual estilo e beleza do templo. Pode ser que pelo fato de serem europeus (Tarcísio, José, Pio, Vitório, Angélico ...) e testemunharem o quanto um patrimônio cultural é valorizado e visitado, eles tomaram as rédeas das importantes reformas e de outras edificações. Eu particularmente acompanhei a grande reforma de 1980 empreendida por frei Angélico. Ela durou dois anos. A parte dos trabalhos em madeira coube ao saudoso Toninho Marques, filho do destacado carpinteiro português Antônio Marques do Vale, atuante em empreitada semelhante na primeira metade do século XX, parceiro do padre Reale. Profissionais mesmo! Também testemunhei o empenho do Jacó Meira, um construtor naval, na construção do altar em forma de barco. E me alegrei quando o Mestre Da Motta fixou a escultura de São Pedro sobre o proa do altar.

       Após os períodos inseguros, de crise na economia local, o turismo veio para ficar com a abertura das vias rodoviárias (Taubaté, na década de 1930, e, Caraguatatuba, na década de 1950). Assim, era conveniente ter um templo bonito, capaz de atrair visitantes e satisfazer fiéis veranistas. Só isto já justifica as constantes reformas. Agora, esperando dar a minha contribuição à Renata e ao Leandro, desejando muito sucesso à produção de um documentário acerca da Igreja Matriz, também vislumbrei um espaço museológico nos espaços laterais. Me asseguraram que o atual frei já sinalizou nesta direção. “Quem não vai querer, mediante taxa mínima, ver isso tudo que são partes da nossa história?”. 

       Ao me perguntarem da religiosidade caiçara, fiz questão de salientar que, coube aos freis brasileiros, da virada da década de 1970 em diante, a nova visão, dentro da teologia da libertação, onde os traços da nossa cultura caiçara e a defesa do nosso espaço foram incluídos na nossa mística, alimentando nossas lutas locais contra grilagem de terras, grandes projetos imobiliários e militares para a região. Desse tempo me recordo de, ao longo do ano, em cada festa pelas capelas, o meu povo vivia um prazeroso evento cultural, uma verdadeira festa popular.

           Por fim, ao finalizar os trabalhos, fomos à torre dos sinos. Não tem como não se emocionar! De lá, o meu olhar se tornou o olhar dos sinos!


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