quinta-feira, 29 de agosto de 2019

DOUTRINAS CONVENIENTES

Arte da minha Gal (Arquivo JRS)


Um guaiá  (Arquivo JRS)

            Eu trabalhei com o estimado Sales quando ainda lhe restava muito tempo para se aposentar. Na escola conheci seus primeiros filhos.  (Mais tarde também conheci os mais novos). O mais velho deles começou na mesma labuta do pai, mas logo se lançou em outra possibilidade, na via religiosa. Se revelou bem cedo como um craque na oratória evangélica, quase um sofista original. Por isso rodou o mundo, “sempre em missão”. De acordo com o seu mano, “fez um ótimo trabalho na África”. Agora não sei dizer por onde ele anda, mas tenho a impressão, conforme últimas novidades, que está doutrinando muito. Não, não sei dizer se ele continua como torcedor são-paulino.

            Doutrinar, na minha concepção, é implantar um pensamento dogmático, sem espaços para questionamentos, para desenvolver o senso crítico. Ou seja, sem a possibilidade de liberdade. Minha irmã, por exemplo, agora ouvindo suas companheiras se lastimando pelas novas regras para aposentadoria, não se cansa de repetir: “Agora vão reclamar para o pastor que doutrinou vocês, que  conduziu as ovelhas ao lobo que aí está. Eu avisei”.

            Hoje, o Sales já é falecido, mas eu continuo me aproveitando das oportunidades para prosear com seus parentes, todos caiçaras. Agora, o absurdo:

            “O  Brasil não pode dar certo, Zé. Nós somos uma mistura: dos negros nós herdamos a manha; dos índios, a nossa característica é a indolência. O meu irmão diz que na África (Senegal, Guiné-Bissau…) é assim, o povo é muito manhoso e dá muito trabalho aos missionários. Eles acham que o jeito deles é que é o certo, se recusando a aceitar as verdades que os cristãos, os missionários  levam. Só uma  boa educação resolverá isso”. 

           Acredita que eu ouvi tais absurdos de um herdeiro do saudoso Sales? Pois é! Só faltou citar que a culpa pelo nosso país estar nessas condições é devido aos degredados (excluídos da sociedade lusitana e aqui deixados pelas naus portuguesas nos idos do século XVI). O "Boneco", o "Fialho" e o "Barriguinha", adeptos do presidente que aí está, também me disseram isso uns meses atrás!  Ah! E são caiçaras!

            Para acreditar e respeitar a diversidade cultural é preciso estudar, refletir constantemente e rever nossos valores. No passado, o eurocentrismo esmagou outras terras, resultando em culturas esmagadas e desaparecidas. Constatando as injustiças próximas e distantes, é inegável que investir em educação é o melhor caminho. Em tempo: a doutrinação continua causando  danos à nossa cultura caiçara. 


            Saudades do meu amigo, do  Velho Sales! Tempo bom aquele em que, após deixar tudo certo para as refeições da noite, a gente encostava as velhas bicicletas numa amendoeira e ficava de prosa, bem defronte à casa do Capitão Hélio, junto ao rancho do Fifo. Tempo bom!

            

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