domingo, 4 de novembro de 2018

TESTAMENTOS



Eu, tio Dito e  a mana Ana

               No último espetáculo do grupo Concertada, em Ubatuba, a homenagem foi aos negros. Afinal,  estamos no mês em que se comemora a Consciência Negra. Viva novembro! Viva Zumbi de Palmares! Em tempo: o grupo citado se apresenta mensalmente na concha acústica do Tamar. Grande prazer ouvir essa gente ! Grande prazer em ouvir a Marilena Cabral ler os belos textos entremeados! 

               Hoje, motivado pela cantoria do grupo,  fui me recordando das tantas rodas de conversas, de minhas prosas com Sabá e tantos outros pretos caiçaras, dou a conhecer um testamento.

               Testamento é um gênero (?) literário, só não sei desde que tempo. Só sei que se parece um pouco com o pasquim, daqueles que tantas vezes eu li pregados nas amendoeiras, nos ranchos de canoas. O finado Sabá,  da praia da Enseada, “preto fechado” como dizia a minha finada mãe, assim me explicou um dia:

               Escute, Zezinho. Vou lhe explicar, hoje, o testamento.  Em dia especial, quando o povo nosso se reunia, geralmente no terreiro da capela, após a reza, durante os leilões, apareciam os testamentos. Os autores eram anônimos, ninguém sabia quem era, mas todos queriam ouvir. Quem gritava o leilão chamava quem era incumbido de ler o que estava escrito num papel amarelado. Num dia da Semana Santa, acho que num sábado de aleluia, me recordo deste: 

Judas agora se foi
Escutem, prestem atenção
Traidor igual não teve
Por enquanto ainda não .

Por isso em testamento
Deixo minha cartucheira
Pra mode matar um  bicho
Que ainda não fede nem cheira.

O meu pito de canudo
Ainda pra cima de meio
Será pra sorte de alguém
Que faça a vez de esteio.

Alguém que não chore pro vigário
Quem não seja traiçoeiro
Que não espere milagres
E nem se acomode no poleiro

O meu bonito chapéu
De broto de brejaúba amarela
Será para o lindo menino
Meu filho e também filho dela.

E dele eu espero muito
Que seja em claro dia  um estopim
Para apagar a sujeira
Que uns diabos deixaram pra mim.

E peço ao tabelião que bata o martelo logo
Nesse pensar de agonia
Pra socorrer logo os pobres
Com estudo e trabalho em harmonia.

Assim eu pego a canoa
Nem pra trás eu vou olhar
O vento me leva longe
Perto de um bom lugar.

               Penso que é meu dever agradecer ao Sabá, o velho preto, pelas lições que recebi em tantas ocasiões na minha adolescência.  Viva esse negro que consciência tanta me deu! Viva Mariana! Viva seus descendentes!









                                                                     

Nenhum comentário:

Postar um comentário