quarta-feira, 14 de novembro de 2018

O COISA RUIM ARFAVA FEITO LOBISOMEM

Jundu da Mococa (Arquivo JRS)


               A praia da Mococa é linda! Suas histórias mais ainda!

               Quando criança, a Mococa me causava medo devido às histórias de assombração que os mais antigos contavam. “Ali, meu filho, é lugar que ninguém gosta de passar depois que escurece. Sempre tem alguma coisa pra assombrar a gente naquele lugar. Sabe por que isso acontece? É porque no morro que separa da Cocanha, bem lá em cima, era um cemitério dos índios”.  E eu, especulador que sempre fui, queria saber se morava alguém na tal praia da Mococa. Como era possível gente corajosa, capaz de ficar num lugar assim, sempre vendo coisas medonhas? “Mora sim. Tem gente, mas mais por sertão, onde era uma fazenda no tempo dos escravos. Tudo aquilo é da família dos Pimenta, mas agora pouca coisa restou da grande fazenda”.

               Nos dias de hoje, quando passo pela Mococa, faço questão de parar no jundu e apreciar a beleza de tudo aquilo. Ah! Aproveito para elogiar o grupo que está lutando pela preservação daquele jundu, “lugar sacrossanto”, conforme me ensinou o saudoso Antônio Maior, caiçara do Ubatumirim. Pobres daqueles que não sabem desfrutar do jundu sem destruir! Essa luta também é minha, amigos! Força, Pedro Caetano! Força, Djalma! Muita força a todos que estão contra o poder destrutivo das empresas que querem tomar essas áreas nobres para construírem prédios e condomínios fechados. Muita energia para enfrentarem um turismo predatório. Que as assombrações vos ajudem nessa tarefa.

               Ontem, na pausa no jundu, fiquei imaginando a vovó Martinha contando:

               “O Pedro Barrasseca, numa ocasião, vindo da cidade, assim que atravessou a barra da Cocanha, parou debaixo da ingazeira para arriar o saco de compras e descansar antes da virada do morro. Logo veio um arrepio no corpo. Do canto da Mococa, do Canto Manso, uma pessoa veio vindo e também parou. Parecia estar muito cansado. O Pedro puxou conversa porque sempre foi bom de prosa. O outro arfava sem que se pudesse entender nada. Conforme afirmava o Pedro, era gente velha, já franzida. Era homem, parecia que era homem. Os olhos não brilhavam. Também da cintura pra baixo não se distinguia nada. Só arfava como se estivesse morrendo de cansado. De repente, um grito imitando pio de curiabô pareceu vir do alto do morro, onde está o velho cemitério: ‘Sua mãe morreu e você desceu. Sua mãe morreu e você desceu. Sua mãe morreu e você desceu..’. E, seguindo a notícia, como se voasse a piçarra e o mato baixo, na escuridão aquele que arfava se foi morro acima. Na mesma hora o Pedro jogou a carga nas costas e não sabe de onde tirou tanta força para correr até o Rio da Prata, onde morava. Foi chegando na porta e já caindo desmaiado. Sua mãe logo viu que era caso de assombração. Com um galho de guiné logo foi benzendo e dizendo suas rezas até que o filho voltasse ao normal e contasse tudo”.

               E vovó, sentada sob o pé de aroeira do terreiro, no escurecer, encerrava dizendo que “o coisa ruim arfava feito lobisomem. Credo em cruz! Coisa assim nunca que vi”.

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