quarta-feira, 4 de agosto de 2021

TRISTE FIM DA CATARINA

Entardecer no Camburi - Arquivo Santiago 

     Apreciando um entardecer a partir da casa do Santiago, imaginei a alegria dos viajantes quando, no alto da serra, se deparam logo cedo com o sol vindo iluminar aquele mar imenso, aquelas praias e ilhas espalhadas no litoral. Acho que, bem lá em cima, os primeiros carros, na década de 1930, se demoravam bastante a fim de satisfazer os passageiros nessa alegria contemplativa tão prazerosa.

   O Seo Orestes, um caiçara que morava na rua Maria Alves, onde uma árvore exótica chamava a nossa atenção por ser rara e bonita, gostava muito quando eu me detinha ali para prosear. Foi nisso que eu soube: ele trouxera aquela espécie do Horto, onde trabalhou por muito tempo. De fato, mais tarde comprovei que na sede da Estação Experimental do Horto Florestal havia outra planta igual, uma linda árvore que dava aquelas flores vermelhas bem diferentes.

   Foi o saudoso homem, Orestes dos Santos que falou de uma condução, o primeiro ônibus de serviço entre Ubatuba e Taubaté. "Era uma jardineira, não carregava mais do que doze pessoas. Não cabia.  O nome dela era Catarina". Achei poético a categoria - jardineira - e também o nome próprio de Catarina. Pensei naquele momento: "Na próxima vez que eu encontrar a prima Tina, brincarei com ela; direi que o seu nome foi inspirado na jardineira Catarina. Daremos boas gargalhadas". 

   Pelo que  o bondoso homem descreveu, o veículo era basicamente uma estrutura de madeira, bem caprichada, sobre um chassi. Seria uma espécie de perua kombi ou van primitiva. Mas dava conta de subir e descer a serra, mesmo que em diversos trechos as pessoas tivessem de desembarcar para facilitar manobras, não correrem riscos desnecessários. Ah! Houve um tempo em que duas dessas conduções faziam o trajeto: uma saía de Ubatuba e outra de Taubaté. A que primeiro chegasse no alto da serra, no lugar da casa do Toniquinho, na Aguatuba, ficava esperando a outra. Dois veículos não podiam se encontrar no meio da serra, na estrada. Não cabiam de tão estreita que era a via.  

     O melhor vem agora: "Sabeis, rapaz, que fim levou a  tão utilizada Catarina, depois de uma vida tão útil? Um compadre meu acabou comprando ela para servir de galinheiro. Então, aquela maravilha, onde tanta gente se sentou, se sacolejou e se alegrou enxergando as paisagens nessa estrada que vai de Ubatuba a Taubaté, acabou-se como poleiro de galinhas. Não é engraçado?". Ri bastante neste detalhe final da história: "Lógico que é, Seo Orestes! Até imagino o seu compadre dizendo: 'Embarquem aí, galinhada. Vamos viajar a noite toda. Vou trancar a porta por causa dos morcegos, para eles não atrapalharem a diversão de vocês'".  O título desta crônica poderia ser: A jardineira que virou posse das galinhas.  Triste fim da Catarina.

3 comentários:

  1. Para a Catarina tão privilegiada pelas paisagens todos os dias ter um fim como esse não é algo assim tão trágico pois mesmo sem a sua sua original utilidade se tornou objeto de risos ... Obrigada pela oportunidade da leitura ☺️

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  2. É mesmo! Quem sabe se eu não encontre, no terreno do compadre, alguma madeira, parte da Catarina!?

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