Arte no muro - Arquivo JRS |
O
que escrevo agora, eu escutei de passagem. Mas me indignei! Aristides, o Tide, puxava
uma prosa deprimente, de um pobre querendo agradar outro que aparenta ser menos
pobre pelas posses aparentes: o Totonho do Rio Abaixo. Um negro e outro branco. “Eu
sou da Bahia, mas a minha mulher é de Minas, de Ladainha...”. Totonho escutava,
olhando o visor de seu celular, sem demonstrar nenhuma empolgação na fala do outro.
Por fim, acho que notando o pouco caso, humildemente o Tide fez um fechamento no monólogo: “Nesta semana, nós recebemos uns produtos do
lugar da mulher, lá de Ladainha... Depois eu trago para o senhor um pedaço de
requeijão”. E sumiu portão adentro, à sua simples habitação. Não ouvi
agradecimento algum. Nitidamente transpareceu que o primeiro, por testemunhar a
ostentação do outro, se acha na necessidade de semelhante gesto. É o que se
conhece como complexo de vira-lata. É mais comum do que se pode imaginar;
pode implicar em danos ao indivíduo, sobretudo no nível cultural. É um
sentimento de inferioridade pela etnia, pela condições econômicas, de gênero
etc., inclusive da própria nacionalidade. A ideia de brasileiro inferior
transpareceu no século XIX, quando Gobineau disse que os cariocas eram
“verdadeiros macacos”. Em seguida,
predominou a ideologia de branqueamento na história brasileira.
O complexo de
vira-lata, expressão usada pelo escritor Nelson Rodrigues quando da derrota ao
Uruguai, no futebol, em 1950, é mais presente do que você pode pensar.
Infelizmente, ele pode trazer algum prejuízo na relação do indivíduo com a sua
própria nacionalidade.
A expressão
criada num contexto futebolístico, pode ser usada em qualquer área, pois ela
cria um narcisismo reverso, fazendo com que a pessoa valorize o outro antes
dela mesma. As características do complexo de vira-lata podem
ser resumidas em: baixa autoestima, vontade de aceitação, valorização do
externo e dependência da valorização externa.
Muito tempo depois de ver alguns caiçaras entregarem suas melhores áreas a turistas por pouco mais de nada, concluí que o nome dessa postura é complexo de vira-lata, tal como constatei no caso do Tide. Quem ganha com sentimento assim? Precisamos aprender a pensar, ser sujeitos de nossa vida. Grada Kilomba, uma pensadora negra escreveu isto: "É o entendimento e o estudo da própria marginalidade que criam a possibilidade de devir de um novo sujeito". Não tem como eu não escrever contra o silêncio e a marginalidade criados pela colonização de nossas mentes, entendeu Tide?
Apoio: https://www.psicanaliseclinica.com/complexo-de-vira-lata/ Acesso em 24/8/2021
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