terça-feira, 10 de agosto de 2021

A PEDRA DO VELHO SAPONGA

 

Praia Perequê-açu - Arquivo Santiago

    Interessante como somos marcados por tanta gente, por tantas coisas e momentos no decorrer da vida. Tem pouco tempo que, bem ali, no canto da Praia Dura, alguém fez questão de se deixar fotografar sentada em uma pedra comum. Na verdade, não se tratava de uma pedra comum para mim. Aquela era a Pedra do Velho Saponga. No mesmo instante eu me recordei de uma cena guardada há mais de cinquenta anos, quando por ali tinha um caminho, uma subida, que se encontrava com a estrada no alto  do morro. Naquele tempo de pouquíssimos carros, ainda não havia a variante da estrada que passava rente ao morro, por dentro do bairro. Por isso era obrigatório a circulação pela praia, pela areia sempre úmida dali. Na maré alta ou em mar ressacado não circulava carro.

    Foi naquela pedra que o Velho Saponga, companheiro do meu pai, teve o pé espetado por um espinho de bagre. Estávamos no início da caminhada, a uns sete quilômetros para chegar em nossa casa, na nossa praia. O que fazer? Meu pai, dando um toco de madeira para o coitado morder, arrancou aquilo em um rápido puxão, deixando sair sangue por um breve tempo pela pedra abaixo. Seus olhos marejaram. Em seguida, ele colheu uma folha de limão do mato, colocou sobre o buraco deixado pelo espinho e rasgou uma camisa para enfaixar. Mesmo assim, foi preciso um grande esforço do meu pai apoiando na subida íngreme. Demoramos para alcançar a estrada. Devagar, quase parando, fomos vencendo a distância. Meu pai, atento ao mato mais próximo, logo cortou duas  árvores com forquilhas que valeram como muletas. 

   Demoramos, mas chegamos. Na chegada, escutei do Velho Saponga: "A aventura demora até alcançar seu propósito. Quero ver mais tarde, quando o mundo estiver mais civilizado, onde acharemos ela?". Aquela fala entrou em meu ser. Aquele menino descalço, sempre sem camisa, se sentia o maior quando, das grimpas das árvores, das alturas, descortinava grandes distâncias, guardava imagens incomparáveis, tais como cascas de cobras pelos galhos, ovos em minúsculos ninhos, frutas maduras ainda sem nenhuma bicada de passarinhos etc. Agora, no nível atual de civilização, reflito a respeito de quanto havia de intenção naquele homem que, depois daquilo no canto da Praia Dura, foi me conduzindo por reflexões acerca de aventuras.  Pergunto: Será que esses jogos em computadores, celulares etc. despertam para isto de ver as maravilhas do nosso entorno, em nossas proximidades? Nos levam a refletir que, por trás de toda essa tecnologia, há vidas e ambientes em degradação, como se não valessem nada?

    Aquela subida do começo desta história era um caminho de servidão.  Será que existe ainda? Sei de alguns que ainda continuam por aí. Se fossem do tempo do Império Romano,  possivelmente ainda mostrariam seus calçamentos toscos. Porém, as pisadas do meu povo, dos negros e dos indígenas de outros tempos, que suaram e sangraram nessas vias, não deixaram marcas mais duradouras. A Pedra do Velho Saponga, vista por acaso dias atrás, me fez pensar tudo isto. Qual era o nome do Saponga? Nunca soube!

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