Apenas descansando um pouco - Arquivo JRS |
Ao ver tantos jovens buscando o primeiro emprego, vem-me à lembrança o meu percurso nesta preocupação. Parece que foi ontem a minha estreante contratação, mas já se foram 47 anos! Eu chegara ao local com quase nada de experiência, mas o pessoal me recebeu muito bem, me aceitando nos meus limites e me ensinando. Não demorou muito para eu estar tinindo, correspondendo às expectativas do patrão e dos colegas. Dei sorte? Sim, de certa forma. Mas me parece que o caminho de quem queria trabalhar naquele tempo, ser empregado, ter um salário a cada mês, era mais facilitado pela solidariedade, pela compreensão e camaradagem reinante. Deveria existir isso de puxa-saquismo, de difamação para prejudicar alguém, de se colocar a favor de outro "mais poderoso", de falta de acolhimento etc., mas estava longe de figurar como destaque porque a maioria era gente boa, disposta a ajudar. Confirmava o ditado popular: “Mais tem Deus pra dar do que o Diabo para tirar”. Caso houvesse alguém a vigiar o nosso trabalho, era para nos aprimorar. Nunca ouvi uma fala atravessada, uma resposta ríspida, uma cara feia no meu primeiro ambiente de trabalho. Imagino o quanto é pesado, para quem necessita de um emprego, viver em ambiente torturante, sem poder desenvolver o seu potencial, sem ser acolhido ou ser tratado como se tivesse uma doença contagiosa.
Com o passar do tempo, em consequência de condições adversas em ambientes de trabalho, presenciei porção considerável de gente que precisou ser atendido em clínicas, ter acompanhamento psicológico, viver sob a tirania da tarja preta. Ah, Quantas injustiças! Quanto pesar ainda causam ao meu ser essas lembranças! Ao constatar situações assim, sempre ofereci ao menos a minha disposição em escutar. Se colocar ao lado de quem está sendo atacado, fragilizado e mais fraco é o mínimo, que está ao meu alcance em fazer. Infelizmente os tempos são outros; hoje o caminho está mudado. A quase totalidade dos habitantes da nossa região é composta por pessoas que vieram de outras terras, se deslocaram de suas origens para tentar melhorar de vida, estão em contínua disputa, dentro do espírito do dizer caiçara: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Resumindo: predomina ambiente propício ao vicejar de discurso de ódio, ao querer espezinhar, à vontade em atirar a primeira pedra de uma série de muitas que podem massacrar um semelhante. Não, não eram essas as ansiedades neste chão beira mar.
Eu acredito que todo desejam se realizar. “A felicidade é o nosso fim último”, defendeu o sábio Aristóteles há muito tempo. Por isso, mesmo que seja alguém vivendo apenas uma frustração, para o meu ser importa muito. Triste? Sim! Sei de gente que enxergou no suicídio a única saída. Alguns estudaram comigo, outros compartilharam do mesmo trabalho.
Diante da certeza de que estamos em obra, nos fazendo, como podemos ir nos corrigindo? Que fizemos ou podemos fazer? O que esse contingente de migrantes, negros, caiçaras e indígenas de Ubatuba e adjacências precisa para ser feliz? Uma certeza: não é de alguém que grita: “Crucifica-o!”. Pior ainda é quando se trata de algoz migrante, negando a própria história porque agora tem algumas míseras posses, se achando "poderoso", esquecendo de que a morte é pobre para todos.
Na pedra da beira do
caminho, uma figura a soluçar. Procuro
saber o que é. “É síndrome do pânico,
irmão. Mas eu preciso desse emprego; eu vim morar no litoral para tentar outra
vida”. Sim, havia uma pedra na beira do caminho!
Arte é resistência. “Eu sei que o
amor é uma coisa boa/ Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”
, da saudosa Elis Regina. Façamos disto uma prece. Não deixemos nenhum fermento ruim
sufocar a dignidade humana em nós e no outro.
Zé, você tem de sobra o que falta na maioria das pessoas: sensibilidade. Seus textos são aulas de humanismo!
ResponderExcluirGratidão, Jorge. Abraços a você e aos seus.
ResponderExcluir